A ameaça do PT à
democracia é real
Na segunda-feira, o
candidato petista à Presidência da República, Fernando Haddad, disse querer uma
aliança com vários dos derrotados no primeiro turno, como Ciro Gomes
(PDT), Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB) e
até Henrique Meirelles (MDB). “Temos todo o interesse em que as forças
democráticas progressistas estejam unidas”, afirmou. A escolha de palavras é
intencional, a de colocar o adversário Jair Bolsonaro (PSL) no campo
antidemocrático enquanto Haddad e os demais adversários seriam os democratas.
Mas uma leitura atenta do plano de governo protocolado pelo PT no Tribunal
Superior Eleitoral mostra que não há nada de democrático nas intenções dos
petistas.
Enquanto esteve no
Planalto, o PT tentou submeter as demais instituições republicanas ao partido
pelos mais diversos meios. Houve a corrupção pura e simples, como nos
escândalos do mensalão e do petrolão, com a “compra” de bancadas parlamentares
para garantir apoio aos projetos do governo e, depois, com a pilhagem da
Petrobras para a manutenção de um projeto de poder partidário. Naquela ocasião,
a democracia foi duramente golpeada, e a esse propósito é preciso lembrar as
palavras de ministros do Supremo Tribunal Federal durante uma das sessões do
julgamento do mensalão. Celso de Mello disse que houve “utilização criminosa do
aparelho de Estado e a utilização ilícita do aparato governamental” para o que
Ayres Britto definiu como “um projeto de poder (...). Não de governo, porque
projeto de governo é lícito, mas um projeto de poder que vai muito além de um
quadriênio quadruplicado, muito mais de continuidade administrativa. É
continuísmo governamental. Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia, que é
o republicanismo”.
Mas houve modos mais sutis
de conseguir amarrar as instituições e as liberdades democráticas. Foi o caso
da campanha pela criação de um Conselho Federal de Jornalismo, uma tentativa de
cercear a imprensa livre. As tentativas mais escancaradas, no entanto, vieram
com o Plano Nacional de Direitos Humanos, de 2009, que também trazia trechos
que ameaçavam a liberdade de imprensa e previa até mesmo a substituição da
Justiça por “instrumentos de mediação” em conflitos no campo, e com o famoso
Decreto 8.243 de Dilma Rousseff, cuja Política Nacional de Participação Social
era apenas um nome elegante para constranger órgãos de Estado, como ministérios,
a se curvar a “conselhos populares” em que a participação do povo propriamente
dito era mínima, já que tais entidades eram meros aparelhos do petismo. Em
ambos os casos, a reação da sociedade e das instituições foi forte o suficiente
para que Lula recuasse no caso do PNDH3, e para derrubar no Congresso o Decreto
8.243.
A julgar pelo plano de
governo de Haddad, o PT nada mais quer que retomar os planos frustrados em sua
passagem de 15 anos pelo Palácio do Planalto, como se a eventual vitória
representasse uma carta branca para voltar a ameaçar a democracia no Brasil. Os
capítulos 1.2 a 1.4 do plano de governo são uma carta de intenções em que o
objetivo é submeter as instituições republicanas ao partido, por meio de um
“controle social” sobre cada um dos três poderes, além do Ministério Público.
Há, ainda, críticas aos órgãos de fiscalização e controle (que, segundo o PT,
estariam “extrapolando suas funções”), aos acordos de leniência e ao instituto
da delação premiada. A mensagem é clara: há de se impor limites a todas essas
instituições e todos esses mecanismos legais que estão sendo usados para punir
os corruptos do PT. Onde houver um procurador que acuse ou um juiz que condene
um chefão petista, o “controle social” haverá de colocar o agente público na
linha e mostrar quem manda.
Para se chegar a esse
objetivo, o PT conta com a instalação, o quanto antes, de uma Assembleia
Nacional Constituinte descrita no capítulo 1.4, já que o marco constitucional
atual trata os poderes como independentes, em vez de submetidos a um “controle
social” ou a conselhos formados por ativistas. E, para calar as vozes que
denunciem a implantação de um sistema semelhante ao bolivariano, o programa de
governo prevê também a famosa “regulação da mídia” no capítulo 1.3, com um
“órgão regulador com composição plural e supervisão da sociedade” e “um novo
marco regulatório da comunicação social eletrônica”.
E, se por acaso todas
essas tentativas de eternizar o PT no poder falharem, resta um artifício mais
antigo e corriqueiro. Nem no plano de governo, nem nas declarações de Haddad há
algum reconhecimento ou pedido de desculpas pela corrupção desenfreada
praticada nos governos Lula e Dilma. O que teria havido, no caso de Lula,
segundo o fantasioso plano de governo, foi uma “prisão política sem crime e sem
provas”, uma verdadeira perseguição por parte da Justiça – uma definição
surreal para um processo no qual foram levantadas inúmeras evidências,
consideradas suficientes para a condenação por um juiz de primeira instância e
três desembargadores de segunda instância, e no qual cinco ministros do STJ e
seis ministros do STF não viram indícios de irregularidade ou arbitrariedade
que justificassem a concessão de um habeas corpus. Ora, se o partido não vê
nenhum problema nas práticas adotadas durante esses quase 14 anos, nem na
afronta aos órgãos de investigação e ao Poder Judiciário, seria muito imaginar
que tais práticas podem retornar?
Ao falar da intenção de
costurar alianças com outros candidatos, Haddad afirmou que estaria aberto a
“ajustar parâmetros do programa” para acomodar demandas. Mas, sem renunciar
completamente à ambição de reduzir os poderes e instituições a extensões do
partido, sem abrir mão de controlar a imprensa nem de atacar a legislação de
combate à corrupção, sem admitir que Lula não passa de um chefe de organização
criminosa, sem deixar de afrontar as instituições democráticas dia e noite, sem
renunciar ao apoio às ditaduras venezuelana, cubana e nicaraguense, Haddad não
é digno nem do apoio daqueles candidatos realmente democratas, nem do voto dos
brasileiros comprometidos com a manutenção da democracia no país."