Quem votou na Dilma, vota
em Haddad
Não sei se a história é
apócrifa, mas semanas atrás alguns sites veicularam a notícia de que certa
senhora, filiada ao PT, garantiu: “Se Lula me disser para votar num jumento, eu
voto”. Verdadeira ou não, o espírito é esse mesmo. Se Lula pede para votar num
jumento, o eleitor vota num jumento. E quem vota num jumento, vota tranquilamente
em Fernando Haddad.
As últimas pesquisas
indicam o que teremos de cardápio no segundo turno. Jair Bolsonaro, com sua
base eleitoral sólida, garantiu lugar; Fernando Haddad, como surto de febre
tropical, contamina a sanidade de todo eleitorado; o trepidante Ciro Gomes
aparece no retrovisor, mas com seu mau hálito eleitoral tão característico deve
ficar pelo meio do caminho.
(Registre-se para o
anedotário: menino Boulos não pontuou.)
O cenário não me
surpreende. Mário Vitor Rodrigues apontou o quanto a pusilanimidade do PSDB é
responsável por essas eleições serem disputadas nas extremidades, sem nenhum
centro, o que é ruim. Um discurso de centro-esquerda e centro-direita serviria
para atrair os extremos de um lado e outro, acalmar os ânimos e, consequentemente,
moderar o que há de imoderado no discurso.
Consideradas todas as
coisas, a inacreditável viabilidade de Fernando Haddad foi detectada nas
pesquisas quando ainda levavam em consideração a candidatura impossível de
Lula. Muita gente criticou os institutos de pesquisa, dada a desfaçatez ética
de se cogitar o atual presidiário como futuro presidente.
Ocorre que essas
sondagens, com Lula no tabuleiro, de alguma forma qualificavam as pesquisas
subsequentes. Ora, se Lula, de dentro da cadeia, conseguia chegar a 30, 35% das
intenções de voto, muito naturalmente ele conseguiria transferir parte desse
capital para sua criaturinha. É o que parece estar acontecendo.
Não sei se a condução do
processo e julgamento de Lula foi bem-feita, se houve exagerada
espetacularização, se os juízes e promotores falaram mais do que deveriam ter
falado, mas o fato é que o PT conseguiu manipular de tal modo o espírito
brasileiro do deixa-pra-lá, que, a essa altura, parcela considerável do
eleitorado já nem acredita tanto assim na culpa do petista.
Além disso, malfeitores
com jeitão romântico ou melancólico seduzem muita gente. Lampião, Marighella,
Maníaco do Parque, Bandido da Luz Vermelha são personagens que se movimentam
simbolicamente num claro-escuro da consciência nacional, onde os instintos e os
sentimentos falam mais alto que a razão e os princípios.
Daí a resiliência da
figura de Lula. Daí o crescimento da figura de Haddad. Ocupados com a punição
do chefe da quadrilha e com o impeachment de Dilma, talvez tenhamos nos
esquecido de que muito da política acontece numa frequência mais baixa, menos
ideológica, em que termos como “totalitarismo”, “ditadura”, “austeridade
fiscal”, “contas públicas” e outras bruxarias não alcançam o eleitorado.
Como criticar o
aparelhamento do Estado, praticado com gosto e fome pelo PT, se somos um país
de funcionários públicos, cheio de ethos de funcionário público? Se até mesmo
entre os militares, que deveriam servir de exemplo, ainda hoje pagamos vultosas
pensões para as filhas solteiras que se mantém solteiras para continuarem a
receber as vultosas pensões? E o que dizer de nosso judiciário de despesa
faraônica e eficiência liliputiana?
Que Lula resista como
figura política proeminente não espanta. Já me cansei de me espantar com
absurdos. Por isso, a estratégia de Bolsonaro é arriscada. Faz tempo conquistou
sua base eleitoral, mas ele e seus militantes não se preocuparam em ampliar a
zona discursiva para nela atrair eleitorado diverso. Até porque um dia as
eleições acabam, e ele terá de governar para um país inteiro. Governar é um
pouco mais complicado do que ser eleito.
O acirramento ideológico,
desnecessário e gratuito, pode até mesmo leva-lo à inesperada derrota, ainda
que o festejado Capitão desponte como grande favorito. Só não convém duvidar
dos poderes de Lula, nem de sua influência sobre o imaginário da nação; aqui
mora o perigo. Pois quem vota no Lula vota na Dilma. Quem vota na Dilma vota
num jumento. Quem vota num jumento vota facilmente em Fernando Haddad."