Sem Lula lá
Eliane Cantanhêde
É de uma ironia incômoda
que tenha sido justamente do relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin,
o único voto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a favor da candidatura à
Presidência da República de alguém condenado e preso pela própria Lava Jato.
Fachin perdeu de 6 a 1 no julgamento que impediu o ex-presidente Lula de
continuar brincando com a Justiça e o eleitor.
O voto de Fachin
surpreende, e de certa forma choca, por partir de quem partiu e pela
incongruência. O ministro reconheceu que Lula, como ficha suja, é flagrantemente inelegível. Mas
considerou que uma recomendação de um comitê quase diletante da ONU se sobrepõe
às leis brasileiras. Advogado, professor de Direito, relator da Lava Jato,
ministro do Supremo e agora também do TSE, Fachin não sabe que:
1 – O Comitê de Direitos
Humanos da ONU não representa Estados, apenas reúne peritos independentes, e
não pode determinar nada, obrigar nada, só fazer relatórios?
2 – Dos 18 integrantes do
comitê, apenas dois (dois!), segundo o relator do registro de Lula no TSE, Luiz
Roberto Barroso, subscreveram o texto do comitê que pretendia manter Lula
candidato fazendo campanha a partir da cela da PF de Curitiba?
3 – Ao produzir uma
recomendação de tamanha ousadia, os dois peritos estrangeiros nem sequer se
deram ao trabalho de ouvir o contraditório, de pedir informações ao Estado
brasileiro sobre o que se passava internamente?
4 – A delegação permanente
do Brasil em Genebra se manifestou oficialmente contra qualquer consequência
prática da recomendação do comitê sobre as eleições no Brasil?
5 – O comitê, segundo
Barroso, não tem nenhum papel jurisdicional e suas recomendações não têm efeito
vinculante, não se sobrepõem às leis brasileiras, não são obrigatórias e,
portanto, nem preveem alguma sanção caso ignoradas?
6 – O comitê é uma coisa,
o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU é outra coisa? Esse, sim,
representado por Estados?
No seu voto, Barroso
lembrou que a definição dos candidatos é indispensável para a segurança
jurídica da eleição. Logo, ao esticar ao máximo todas as etapas para manter a
candidatura fake de Lula, o PT estava criando insegurança jurídica. Em bom
português, tumultuando propositalmente o processo.
Todos os demais ministros,
exceto Fachin, acataram o voto do relator, que barra a candidatura Lula, seus
atos de campanha, sua propaganda na TV e seu nome na urna eletrônica, dando ao
PT dez dias para trocar o candidato, ou seja, para assumir finalmente Fernando
Haddad.
Muito respeitado no
Paraná, Fachin ficou conhecido fora dele ao discursar em evento eleitoral de
Dilma Rousseff. No STF, tem altos e baixos desde que acatou, de um dia para o
outro, a denúncia de Rodrigo Janot contra o presidente da República, Michel
Temer, baseada numa fita que não fora sequer submetida a perícia e cuja
degravação da PGR não correspondia exatamente ao áudio.
Depois, o ministro passou
a brilhar na opinião pública, por ser voto vencido, uma espécie de vítima, na
segunda turma do Supremo, enfrentando Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo
Lewandowski, que “soltam todo mundo” e até garantiram elegibilidade para o
inelegível Demóstenes Torres.
Agora, Fachin ficou em
posição inversa, pois foi ele quem tentou garantir elegibilidade para o
inelegível Lula e ficou isolado no plenário do TSE. Assim, volta a alimentar
uma dúvida: afinal, quem é Edson Fachin?
Apesar de eventuais
recursos, a eleição enfim ganha sua forma definitiva, com todos os candidatos
assumidos e em condições de luta por uma vaga no segundo turno. Lula continua
com imensa relevância no processo e, da cela, jogará todo o seu peso para
eleger Haddad. Essa não é uma questão jurídica, é política e eleitoral. Ele é
bom nisso.
Portal Estadão – 02/09/2018