domingo, 2 de setembro de 2018

➤BOA NOITE!

SEMANA DOS GRANDES TANGOS
RUSSIAN PHILLARMONICA
LIBERTANGO

➤Ricardo Noblat

Troça, chacota, deboche

Mary Zaidan*

Plenário do TSE/Reprodução

Goste-se ou não delas, leis balizam a organização da coletividade, garantem direitos e deveres, impõem punições. Têm de ser respeitadas e, por óbvio, cumpridas. Mas por aqui o descaso com as leis e até mesmo com a Constituição é generalizado, a começar por aqueles que por dever de ofício juram lealdade a elas.

Foi o que se viu na madrugada de sábado, quando o TSE, depois de indeferir o registro do ex Lula, afagou o condenado com a permissão de que o PT continuasse usufruindo do horário eleitoral de rádio e TV nos dias dedicados aos candidatos à Presidência da República. A decisão estapafúrdia, tomada longe dos holofotes durante um rápido intervalo, produziu mais uma anomalia no já tumultuado processo eleitoral: a campanha presidencial de um não-candidato à Presidência.

O PT protagoniza outro absurdo jurídico. A presidente cassada Dilma Rousseff é o único caso conhecido de alguém que perde o mandato e mantem seus direitos políticos, contrariando os dizeres da Constituição – a mesma que impediu Fernando Collor de Mello de disputar eleições por oito anos.

Dilma foi liberada por um arranjo entre os então presidentes do Senado, Renan Calheiros, e do STF, Ricardo Lewandowski. Por maioria simples, eles conseguiram o impossível: alterar a Carta Magna, que só pode ser mudada em votação dupla por dois terços dos integrantes da Câmara e do Senado.

A manobra espúria de 2016, que completou dois anos na sexta-feira, continua a ter efeitos deletérios. A ex lidera a disputa para o Senado em Minas Gerais e alimenta sonhos vingativos de vir a presidir a Casa que a cassou.

Com a burla de leis consagrada por cortes superiores, seria demais exigir que o PT cumprisse a proibição de Lula aparecer como candidato na propaganda eletrônica petista de sábado. Lula está lá 100% do tempo. Embora não peça votos para si, o programa inteiro girou em torno de sua candidatura – a que o TSE indeferiu e, portanto, é absolutamente ilegal.

No site da coligação, os comerciais televisivos estão expostos na íntegra, com a assinatura Lula Presidente, desafiando a Justiça, que impediu qualquer tipo de propaganda com o ex como candidato. E faz chacota com a Corte eleitoral na chamada “assista aos programas de Lula que o TSE não quer deixar passar na TV”.

Não há indicações de que o PT mudará o rumo da campanha.

Ainda que internamente haja conflito quanto ao melhor momento de substituir oficialmente o candidato impedido, o partido terá de decidir o que fará nos próximos oito dias. Se escolher colocar Fernando Haddad como cabeça da chapa perde, legalmente, a possibilidade de recorrer para tentar registrar Lula, que não poderia ser reposto no lugar do ex-prefeito de São Paulo.

Mas sabe-se lá. Depois de ser tão mimado por decisões heterodoxas dos mesmos tribunais que o PT demoniza, o partido tem motivos de sobra para crer em novos benefícios. Afinal, quem imaginaria Dilma cassada podendo disputar votos dois anos depois, ou que um candidato condenado por 12 anos, preso por corrupção e lavagem de dinheiro e impedido de ser candidato pela Lei da Ficha Limpa, estaria sorridente na TV.

Nada disso aconteceria se as leis fossem respeitadas, sem jeitinhos ou agrados para alguns.

*Mary Zaidan é jornalista. 

➤OPINIÃO

Sem Lula lá

Eliane Cantanhêde


É de uma ironia incômoda que tenha sido justamente do relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, o único voto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a favor da candidatura à Presidência da República de alguém condenado e preso pela própria Lava Jato. Fachin perdeu de 6 a 1 no julgamento que impediu o ex-presidente Lula de continuar brincando com a Justiça e o eleitor.

O voto de Fachin surpreende, e de certa forma choca, por partir de quem partiu e pela incongruência. O ministro reconheceu que Lula, como ficha suja, é flagrantemente inelegível. Mas considerou que uma recomendação de um comitê quase diletante da ONU se sobrepõe às leis brasileiras. Advogado, professor de Direito, relator da Lava Jato, ministro do Supremo e agora também do TSE, Fachin não sabe que:
1 – O Comitê de Direitos Humanos da ONU não representa Estados, apenas reúne peritos independentes, e não pode determinar nada, obrigar nada, só fazer relatórios?

2 – Dos 18 integrantes do comitê, apenas dois (dois!), segundo o relator do registro de Lula no TSE, Luiz Roberto Barroso, subscreveram o texto do comitê que pretendia manter Lula candidato fazendo campanha a partir da cela da PF de Curitiba?

3 – Ao produzir uma recomendação de tamanha ousadia, os dois peritos estrangeiros nem sequer se deram ao trabalho de ouvir o contraditório, de pedir informações ao Estado brasileiro sobre o que se passava internamente?

4 – A delegação permanente do Brasil em Genebra se manifestou oficialmente contra qualquer consequência prática da recomendação do comitê sobre as eleições no Brasil?

5 – O comitê, segundo Barroso, não tem nenhum papel jurisdicional e suas recomendações não têm efeito vinculante, não se sobrepõem às leis brasileiras, não são obrigatórias e, portanto, nem preveem alguma sanção caso ignoradas?

6 – O comitê é uma coisa, o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU é outra coisa? Esse, sim, representado por Estados?

No seu voto, Barroso lembrou que a definição dos candidatos é indispensável para a segurança jurídica da eleição. Logo, ao esticar ao máximo todas as etapas para manter a candidatura fake de Lula, o PT estava criando insegurança jurídica. Em bom português, tumultuando propositalmente o processo.

Todos os demais ministros, exceto Fachin, acataram o voto do relator, que barra a candidatura Lula, seus atos de campanha, sua propaganda na TV e seu nome na urna eletrônica, dando ao PT dez dias para trocar o candidato, ou seja, para assumir finalmente Fernando Haddad.

Muito respeitado no Paraná, Fachin ficou conhecido fora dele ao discursar em evento eleitoral de Dilma Rousseff. No STF, tem altos e baixos desde que acatou, de um dia para o outro, a denúncia de Rodrigo Janot contra o presidente da República, Michel Temer, baseada numa fita que não fora sequer submetida a perícia e cuja degravação da PGR não correspondia exatamente ao áudio.

Depois, o ministro passou a brilhar na opinião pública, por ser voto vencido, uma espécie de vítima, na segunda turma do Supremo, enfrentando Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que “soltam todo mundo” e até garantiram elegibilidade para o inelegível Demóstenes Torres.

Agora, Fachin ficou em posição inversa, pois foi ele quem tentou garantir elegibilidade para o inelegível Lula e ficou isolado no plenário do TSE. Assim, volta a alimentar uma dúvida: afinal, quem é Edson Fachin?

Apesar de eventuais recursos, a eleição enfim ganha sua forma definitiva, com todos os candidatos assumidos e em condições de luta por uma vaga no segundo turno. Lula continua com imensa relevância no processo e, da cela, jogará todo o seu peso para eleger Haddad. Essa não é uma questão jurídica, é política e eleitoral. Ele é bom nisso.

Portal Estadão – 02/09/2018