O eleitor como freguês
É espantosa a facilidade
com que vários candidatos à Presidência da República, à moda das eleições de
antigamente, alimentam de forma descarada a ilusão de que ao eleitor basta
votar em alguém que lhe resolva os problemas particulares imediatos para que
tudo melhore e reine a felicidade no País.
Diante dos imensos
desafios que se apresentam à Nação, nesta que se afigura a mais importante
eleição presidencial dos últimos tempos, é lamentável que alguns dos principais
postulantes recorram ao populismo desbragado e rasteiro, tratando o eleitor
como freguês de quitanda, que se satisfaz com a bisnaga de sempre, em vez de
convidarem esse mesmo eleitor a refletir sobre seu papel, como cidadão, na
reconstrução do Brasil.
Para que isso acontecesse,
teria de estar em vigor no País uma outra cultura política, diferente desta em
que parecem ganhar pontos os candidatos que se apresentam como “antissistema”.
Em sua radicalização, que até este momento tem seduzido parcela considerável do
eleitorado, à esquerda e à direita, esses candidatos procuram deslegitimar as
instituições democráticas, vistas como inimigas – especialmente o Judiciário, o
Congresso e a imprensa. Os eleitores estão sendo incitados não a apoiar
soluções racionais para o País nem a aceitar sua parcela de responsabilidade
nessa empreitada, e sim a dedicar seus melhores esforços para desmoralizar os
adversários, repudiar o establishment e eleger um “salvador da Pátria”.
Essa radicalização torna
muito mais difícil construir o necessário consenso para que, depois das
eleições, seja qual for o resultado, o País avance. Mais do que isso: ao invés
de deixarem claro que o futuro imediato exigirá sacrifícios de todos e
participação ativa dos cidadãos na vida política, alguns dos candidatos mais
bem posicionados nas pesquisas estimulam os eleitores a imaginar que os
recursos do Estado são e continuarão a ser infinitos, distribuídos aqui e ali
na forma de “direitos sociais” e de “estímulo ao crescimento”.
No plano imediato, que diz
respeito à penúria das contas públicas, quase nenhum candidato competitivo se
comprometeu nem com uma ampla reforma da Previdência nem com a manutenção do
teto dos gastos. Das duas, uma: ou esses candidatos imaginam que não há
necessidade nenhuma de austeridade, ou, o que é mais provável, sabem que o País
está quebrado, mas, mesmo assim, decidiram deliberadamente engambelar o
eleitor, mercadejando ilusões.
Já no longo prazo, não
apareceu, até agora, nenhuma proposta séria para valorizar a educação, único
caminho sólido para formar cidadãos conscientes de seu papel na construção de
um país melhor. Como salientou o editorial A educação e as eleições, publicado
no dia 24 neste espaço, os candidatos “esquecem-se de que, se o próximo governo
não oferecer educação com qualidade a milhões de crianças e jovens, o Brasil
não terá capital humano para adotar novas tecnologias, modernizar a economia e
retomar o crescimento”. Acrescente-se que, sem educação adequada, se
inviabiliza o exercício da cidadania – cujo déficit talvez seja hoje o que mais
prejudique o País.
A pobreza de ideias da
campanha presidencial reflete a incapacidade dos políticos de tratar o eleitor
como alguém apto a assumir responsabilidades. Apostam na cômoda promessa de um
Estado que tudo oferece – sem ter condições de entregar. Não se fala a sério em
alterar o arcabouço constitucional que engessou o Orçamento, hoje vinculado
quase totalmente a despesas com benefícios sociais e salários de servidores
públicos, deixando pouquíssima margem para os investimentos necessários ao
desenvolvimento. Assim, empresários continuarão a esperar favores do governo
para manter intacto o capitalismo sem riscos, e cidadãos comuns continuarão a
esperar caraminguás estatais, dispensando-se do difícil encargo de pensar em
sua vida financeira no longo prazo.
Mas os eleitores hoje
enamorados das promessas impossíveis de candidatos que os tratam como incapazes
devem saber que, passada a eleição, serão chamados ao sacrifício, seja na forma
de duros ajustes na economia, seja em razão de uma mais do que previsível
crise, causada por outro governo irresponsável.
Portal do Estadão, em
27/08/2018