Brasil tem ‘uma Itália’ de
inadimplentes
O Brasil nunca teve tantos
inadimplentes. Em julho, o total de brasileiros com dívidas em atraso chegou a
63,4 milhões, segundo o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), contingente quase
equivalente à população da Itália. O número assusta, porque a série histórica
mostrava uma melhora na inadimplência de março a setembro de 2017, diz Marcela
Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil. No entanto, a reversão das
expectativas da economia afetou essa trajetória.
Os mais pobres ainda são
os que mais devem, mas é entre as famílias de maior renda que a inadimplência
tem resistido, indica a mais recente pesquisa da Confederação Nacional do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Enquanto o porcentual de famílias
de menor renda com dívidas pendentes caiu de 29%, em julho de 2017, para 26,7%,
agora, no grupo com renda superior a dez salários mínimos, o índice de
inadimplentes alcançou 10,8%, ante 10,6% do mesmo mês do ano passado.
A paulistana Júlia H.P.,
que pediu para não revelar o sobrenome, espelha essa classe mais alta que está
com contas atrasadas. Autônoma, recebia cerca de R$ 15 mil na empresa em que
trabalhava, mas perdeu o emprego quando engravidou.
A situação piorou quando
Júlia foi abandonada, durante a gestação, pelo pai de seu filho. “Foram cinco
meses sem trabalho e sem licença-maternidade. Como tinha acesso fácil a
crédito, usei tudo. Fiquei devendo condomínio, internet, cheque especial,
empréstimo bancário, carta de crédito… tudo.”
De volta ao mercado de
trabalho, ela tenta agora se reestruturar, apesar do salário mais baixo.
Refinanciou o carro e fez novo empréstimo no banco para pagar as contas mais
urgentes. “Minha dívida no cheque especial ainda é surreal.”
A economista-chefe do SPC
Brasil, explica que, em geral, o comportamento dos endividados não muda
conforme a renda. “As classes altas têm mais margem de manobra, mas, em grande
parte das vezes, quanto mais a pessoa ganha, mais gasta.” Economista da CNC,
Marianne Hanson lembra que as famílias de maior renda têm acesso a crédito de
melhor qualidade, com juro menor e prazo maior.
Para os especialistas, no
entanto, a crise não ensinou muito aos brasileiros em termos de controle de gastos
ou consumo consciente.
“A gente achou que a crise promoveria mudanças de
comportamento, mas isso só ocorreu no curto prazo. No longo prazo, mais
estratégico, nada mudou”, lamenta Marcela, do SPC Brasil.
Agência Estado