Dúvidas e certezas nas
eleições
Com a definição de nada
menos que 15 candidaturas à Presidência, o maior número desde a eleição de
1989, é duvidoso que, no primeiro turno, haja algo próximo de um debate de
ideias um pouco mais racional para tirar o País da imensa crise legada pelo
lulopetismo.
A cacofonia dos palanques
não deverá facilitar a vida do eleitor, prolongando a hoje acentuada
indefinição de voto provavelmente até a véspera do pleito, em 7 de outubro. Mesmo
entre as candidaturas consideradas viáveis, não se sabe ainda com clareza quais
são as propostas para os temas mais relevantes. Ou seja, o eleitorado,
inclusive a parte dele que se informa bem e se interessa pelo debate político,
dificilmente terá condições, neste momento, de fazer sua escolha de maneira
firme.
Contudo, se por um lado há
dúvida sobre qual seria o melhor desfecho desta eleição, por outro há certeza
absoluta de qual seria o pior: o triunfo da truculência, da boçalidade, do
desafio às instituições democráticas e do populismo irresponsável.
Infelizmente, os dois
candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto até este
momento, Lula da Silva e Jair Bolsonaro, são justamente aqueles que representam
esse pensamento deletério, desagregador e mendaz.
O relativo sucesso de
ambas as candidaturas tem a mesma explicação. O lulopetismo e o bolsonarismo
prosperam porque são muito competentes em reduzir a complexidade das grandes
questões nacionais a slogans eleitoreiros vazios de significado, mas repletos
de lógica ordinária – que oferece um conforto quase religioso a seus
entusiasmados seguidores.
Os dois, cada um à sua
maneira, dizem lutar contra “eles” – que, no caso do petista, são as elites, as
grandes corporações, a imprensa e o Judiciário, todos combinados em uma grande
conspiração para impedi-lo de fazer o povo “feliz de novo”; e, no caso do ex-capitão
do Exército, são todos os “esquerdistas” que defendem o multiculturalismo e os
direitos de minorias, tudo reunido no que os bolsonaristas chamam genericamente
de “ditadura do politicamente correto”. Nem um nem outro demonstram qualquer
apreço pela democracia, que pressupõe o respeito à divergência e ao Estado de
Direito.
Na balbúrdia de uma
campanha eleitoral tão fragmentada, iniciada na esteira de uma gravíssima crise
econômica, política e moral, é justamente esse discurso simplista que ganha destaque,
monopolizando as atenções até aqui e dando espaço nobre para personagens tão
desqualificados. A boa colocação de Bolsonaro nas pesquisas obriga o País, por
exemplo, a tomar conhecimento do “pensamento” de seu candidato a
vice-presidente, o general da reserva Hamilton Mourão, para quem há no País
“uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena” e “a malandragem
é oriunda do africano”. Esse é o nível do debate que a ascensão de Bolsonaro
proporciona.
Lula da Silva não fica
atrás. Ao atacar sistematicamente o Judiciário, num comportamento que de saída
devia desqualificá-lo como pretendente à Presidência da República, o
presidiário petista usa a campanha eleitoral apenas e tão somente como meio de
tentar se livrar da cadeia. Assim, sempre que se fala no nome de Lula nesta
eleição, nada parecido com propostas para os problemas do País se destaca; em
vez disso, o que ganha notoriedade são as chicanas de alguns de seus advogados,
o falatório sobre “perseguição política” e as ofensas a juízes, promotores e
meios de comunicação, tudo para mobilizar uma militância que confunde partido
político com seita apocalíptica.
Nada disso, é óbvio, faz
qualquer bem ao País. Ao contrário, justamente no momento em que a
racionalidade se faz mais necessária, não se pode considerar aceitável que
mistificadores profissionais dominem os holofotes. É preciso condená-los ao
rodapé das páginas dos jornais, como simples registro de sua incapacidade de
viver numa democracia madura. O eleitor, a quem cabe decidir quem presidirá o
País em meio a essa brutal tormenta, não pode mais continuar hipnotizado por
esse debate ocioso, que tem servido somente para dar verniz de legitimidade ao
que não passa de embuste.
Portal Estadão, em
08/08/2018