O diabo está solto!
Eliane Cantanhêde
Em 2004, com Lula a todo
vapor na Presidência da República, a cúpula nacional do PT ignorou, desprezou
e, de certa forma, humilhou a jovem petista Luizianne Lins para favorecer
Inácio Arruda, do PCdoB, na eleição para a prefeitura de Fortaleza. Galega
arretada e atrevida, ela empinou o nariz, enfrentou tudo e todos e venceu a
eleição. No segundo turno, até ganhou uns adesivos do PT – mas teve de pagar o
frete.
Quatorze anos depois, com
Lula imobilizado numa cela em Curitiba, a cúpula do PT repete a primeira parte
da história, atingindo em cheio Marília Arraes, neta do mito Miguel Arraes e
candidata favorita ao governo de Pernambuco contra a reeleição do governador
Paulo Câmara, do PSB.
Não por uma causa, mas por
um projeto de poder, Lula e o PT decidiram rifar Marília em troca da
neutralidade do PSB na disputa presidencial. Em outras palavras, cortaram a
cabeça da petista para matar a candidatura de Ciro Gomes, do PDT. Sem PT, sem
DEM, sem PSB e muito provavelmente sem a Rede, Ciro perde fôlego, míngua.
A tal Marília, porém, não
parece muito diferente daquela Luizianne atrevida. Primeiro, ela desmentiu tudo
num vídeo, atribuindo a versão a um “ataque especulativo”. Confirmado que tal
ataque era real e partira da própria Comissão Executiva do PT, também empinou o
nariz e avisou que não vai engolir em seco, nem chorar num canto. Como
Luizianne, vai à luta, vai bater chapa na convenção do PT.
Bem longe dali o ex-prefeito
de Belo Horizonte Marcio Lacerda, do PSB, era também vítima do acordão entre o
seu partido e o PT para desidratar Ciro Gomes, que se lança como opção das
esquerdas após a crise do PT e a prisão de Lula – a quem sempre defendeu e
agora acusa. Mas, se não é nordestino, nem mulher, nem valente e atrevido como
Luizianne Lins e Marília Arraes, Lacerda igualmente não vai baixar a cabeça e
morrer calado. Até porque, como ele alegou ontem para o partido, quem bancou
todas as despesas da pré-campanha foi ele, do próprio bolso. Quem vai
ressarci-lo?
Assim como tenta fazer com
Marília Arraes, o PT também rifa candidatos próprios no Amazonas, no Amapá, no
Piauí, no mesmo Ceará de Luizianne e no Maranhão, onde os petistas tentam
resistir bravamente à hegemonia de décadas dos Sarney e há 12 anos são
incapazes de disputar eleições. Viraram saco de pancada do próprio partido.
Tudo pelo pragmatismo, pela neutralidade do PSB, do apoio do PCdoB e até do PP
e do MDB de Eunício Oliveira (CE) e de Renan Calheiros (AL).
A ex-vereadora,
ex-deputada federal e atual deputada estadual Manuela d’Ávila (RS), outra jovem
política com garra, vontade própria e princípios, que se cuide. Ela foi lançada
para a Presidência na convenção do PCdoB na quarta-feira. Mas, pelo andar da
carruagem, parece só estar esquentando a cadeira enquanto vai se fechando o
cerco da Justiça a Lula.
A procuradora-geral,
Raquel Dodge, deu parecer a favor de mantê-lo preso e ainda acusou o
ex-presidente de frustrar milhões de eleitores. O ministro Luiz Fux (STF e TSE)
foi taxativo ao falar na “inelegibilidade chapada” dele. O relator da Lava Jato
no Supremo, Edson Fachin, já se manifestou a favor de decidir esse
solta-não-solta Lula ainda em agosto. E tem razão. Enquanto Lula insistir em
ser uma (falsa) peça para outubro, o tabuleiro não se mexe.
Aliás, por que o PT rifa
todo mundo e atira em Ciro? Por ordem direta de Lula. Sua distração na cadeia é
traçar a estratégia, manter o controle total sobre o PT e esticar e relaxar a
corda de Fernando Haddad.
Dilma Rousseff é uma
fábrica de produzir declarações hilárias, mas estava coberta de razão ao dizer
que, “em eleições, faz-se o diabo”. Em todos os partidos, inclusive no PT. E o
diabo está solto!
Portal Estadão, em
03/08/2018