Atrás do tempo perdido
É compreensível que a
reforma trabalhista aprovada em novembro do ano passado enfrente percalços —
reclamações judiciais, resistência de procuradores etc. Afinal, as mudanças
sancionadas pelo Congresso trazem para a realidade do século XXI a regulação
das relações trabalhistas que ficara engessada na CLT, criada por decreto-lei
em 1943, na ditadura varguista do Estado Novo. Muitos interesses se
cristalizaram em torno da legislação. Políticos e também financeiros.
Fundar um sindicato passou
a ser rentável negócio, devido ao dinheiro recolhido pelo imposto sindical.
Arrecadava-se, por ano, mais de R$ 3 bilhões, dinheiro distribuído entre as
agremiações. Trabalhassem seus diretores pelas respectivas categorias ou não, a
receita era garantida.
A conversão do imposto em
contribuição espontânea, defendida por Lula quando sindicalista, é de fato um
incentivo à legitimação dos sindicatos, a um aumento de sua representatividade.
Terão de se aproximar das bases e prestar serviços eficientes, para conseguir apoio
financeiro das categorias.
Outro avanço permitido
pela reforma é a flexibilização nos entendimentos entre patrões e empregados, à
margem da esclerosada CLT. É indiscutível que uma legislação lançada na década
de 40 do século passado não poderia ser aplicada nos tempos da revolução
digital, da descentralização das linhas de produção, da terceirização e assim
por diante.
O nó da terceirização foi
desatado por uma legislação específica, enquanto os obstáculos criados pela
perpetuação da CLT terminaram contornados pela adoção, também por meio de
projeto de lei aprovado pelo Congresso, do princípio razoável da aceitação pela
Justiça Trabalhista da primazia do “negociado” sobre o “legislado”.
Ou seja, aquilo em torno
do qual haja entendimento entre sindicatos patronais e de trabalhadores valerá,
mesmo que haja algum dispositivo legal contra. A não ser em questões
consideradas pétreas: o salário mínimo, por exemplo.
Trata-se de um
desincentivo ao litígio judicial, e há centenas de milhares na Justiça
Trabalhista, um fator de aumento de custos administrativos dos empregadores, as
empresas. Outro indutor a menos conflitos nos tribunais é a definição de que o
impetrante de ações sem qualquer fundamento paga os honorários do advogado da
parte contrária. Tudo somado, o volume de novos processos caiu 45% no primeiro
trimestre (355.178 ações contra 643.404 no mesmo período do ano passado).
O movimento de oposição à
modernização da legislação trabalhista chegou à Organização Internacional do
Trabalho (OIT), como seria natural. Faz parte do jogo político. Mas não se pode
imaginar qualquer ingerência do órgão numa questão em que o Brasil apenas
atualiza sua legislação. Se fossem seguidas à risca as recomendações da OIT,
não teriam existido o imposto sindical nem o princípio da unicidade (um
sindicato por categoria e por base territorial), porque contrariam o princípio
da liberdade sindical da própria organização.
Portal O Globo, em
23/07/2018