quinta-feira, 19 de julho de 2018

➤BOA NOITE


SEMANA DAS GRANDES ORQUESTRAS


CHARLOTTE PHILHARMONIC ORCHESTRA
SOMEWHERE IN TIME


➤Prisão em segunda instância

Revisão no STF deve ficar para 2019

Foto: Reprodução
O ministro Dias Toffoli, que assume a presidência do Supremo Tribunal Federal a partir de setembro, não pretende pautar em 2018 as ações que tratam da prisão após condenação em segunda instância. Apesar de pessoalmente defender a revisão do entendimento atual, o ministro tem dito a interlocutores que a Corte já se debruçou sobre o tema neste ano.

O movimento frustra as expectativas de petistas, que veem a retomada da discussão do tema como uma alternativa para tirar da cadeia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado no caso do tríplex do Guarujá. Embora enquadrado na Lei da Ficha Limpa, ele ainda pretende se candidatar à Presidência da República. O prazo para registro de candidatura termina no dia 15 de agosto.

Em abril, durante julgamento de habeas corpus do ex-presidente o plenário manteve, por seis votos a cinco, a possibilidade do início do cumprimento da pena antes de esgotados os recursos. A atual presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, que integra a ala a favor da prisão após condenação em segunda instância, tem resistido há meses a pautar o tema.

A pressão ganhou fôlego após a confusão jurídica instaurada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) no último dia 8 de junho, quando um habeas corpus concedido a Lula pelo desembargador de plantão Rogério Favreto foi cassado pelo relator da Lava Jato no tribunal, João Pedro Gebran Neto, e, depois, pelo presidente da Corte, Carlos Eduardo Thompson Flores.

Ministros favoráveis a mudança da jurisprudência atual da Corte, firmada em 2016, têm expectativa de que Toffoli paute as ações, relatadas pelo ministro Marco Aurélio Mello, pelo menos a partir do ano que vem, ou após as eleições em outubro.

Em abril, Toffoli defendeu a possibilidade de que réus possam aguardar em liberdade até serem julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A posição, acompanhada pelo ministro Gilmar Mendes, é vista como uma terceira via entre esperar a palavra final do STF e executar a pena logo após condenação em segundo grau.

Em 2016, Gilmar votou favoravelmente à execução antecipada da pena, mas mudou de posição. O placar só não virou durante o julgamento do habeas corpus de Lula, em abril, porque a ministra Rosa Weber votou por negar a liberdade do petista, apesar de ter defendido anteriormente que condenados possam ficar livres até o esgotamento dos recursos na Justiça. Na ocasião, a ministra destacou o princípio da colegialidade.

Em parecer enviado nesta quarta-feira (18) ao Supremo, o procurador-geral da República em exercício, Luciano Mariz Maia, defendeu a execução da pena após condenação em segunda instância. A manifestação foi dada na Ação Direta de Constitucionalidade 54, ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

De acordo com nota da Procuradoria-Geral da República, Maia sustenta que a tese defendida pelo partido confunde dois princípios constitucionais distintos: o da presunção de inocência e a garantia da liberdade e proibição da prisão arbitrária.

Segundo o procurador, a Constituição não assegura o direito a não ser preso, mas o direito a não ser preso arbitrariamente. “E prisão após condenação — especialmente quando confirmada por instância revisional — não se confunde nem se equipara a prisão arbitrária.”

AE/VEJA

➤OPINIÃO

O povo como problema

Sempre que o Foro de São Paulo se reúne, recende de seus salões o ranço característico da esquerda autoritária latino-americana. Abundam palavras de ordem contra o “imperialismo americano” e invectivas contra o “neoliberalismo”, como se a guerra fria não tivesse terminado. No encontro, todos os problemas enfrentados pelos governos e partidos esquerdistas da região costumam ser atribuídos aos Estados Unidos, a representação do mal absoluto no discurso desses liberticidas. Na edição deste ano, realizada em Havana, não foi diferente: até mesmo a prisão de Lula da Silva foi caracterizada como parte da “guerra de caráter não convencional” que, segundo o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, os americanos deflagraram contra os “líderes progressistas” do continente.

“Exigimos a liberdade imediata de Lula, depois de uma condenação e prisão sem provas, e o direito a ser candidato presidencial nas eleições de outubro no Brasil, respeitando a vontade da maioria do povo brasileiro. Lula livre! Lula inocente! Lula presidente!”, diz a declaração final da 24.ª reunião anual do Foro de São Paulo – que, é claro, denuncia a “ofensiva reacionária, conservadora e restauradora neoliberal” capitaneada pelos Estados Unidos.

Em seu discurso, o ditador Maduro – que liquidou a oposição em seu país, encarcerou e exilou os dissidentes e reprimiu duramente todo tipo de manifestação contra seu governo, responsável pela penúria venezuelana – caracterizou o Brasil como um regime de exceção. Maduro disse ver o “martírio de Lula com dor, mas não com resignação”, denunciando que seu companheiro petista foi “escondido numa masmorra” para “impedir sua ação política”, porque “sabem que Lula livre ganhará a eleição presidencial no Brasil”. E acrescentou: “Basta!”.

Enquanto estão preocupados com a qualidade da democracia no Brasil, onde a imprensa é livre e as instituições funcionam, o Foro de São Paulo e seus ciosos delegados de partidos de esquerda entendem que a “Nicarágua sandinista”, por exemplo, é uma democracia plena – embora seu ditador, Daniel Ortega, tenha manobrado para se perpetuar no poder e mandado reprimir duramente manifestações contra seu governo, resultando, até agora, em mais de 350 mortos. Segundo o Foro, a Nicarágua de Ortega está sendo vítima da “política intervencionista” dos Estados Unidos, e os manifestantes estariam a serviço de “golpistas” teleguiados pelos americanos.

É evidente que, no léxico do Foro de São Paulo, a palavra “democracia” perde seu sentido estrito, servindo para designar unicamente regimes e partidos autoritários da América Latina que se pretendem legítimos porque julgam expressar a vontade do “povo”. Se o povo não concorda com a interpretação desses seus alegados porta-vozes, pior para o povo. Que o digam os presos políticos de Cuba, governada pela mais longeva ditadura do mundo, anfitriã do encontro “democrático” e “progressista” do Foro de São Paulo.

É em nome desse “povo” que o “campo progressista” latino-americano insiste na libertação de Lula, como se o suposto desejo popular expresso em pesquisas de intenção de voto para presidente fosse mais que suficiente para anular o julgamento que condenou o chefão petista à cadeia. Pouco importam os fatos, as provas e as sentenças de diversos juízes.

No delírio lulopetista, o sistema judicial brasileiro está tão eivado de golpistas que, segundo disse o ex-ministro Gilberto Carvalho a um site do MST, “só há uma forma de tirar Lula da cadeia”: um “levante popular, uma mobilização muito forte, uma radicalização do processo, seja de que forma for, que faça com que eles sintam que está ameaçada a estabilidade do País, e aí, por uma razão de força maior, libertem o Lula”.

O próprio Carvalho, contudo, reconhece que não será tarefa fácil, pois nem sempre o povo está suficientemente esclarecido para defender o PT. Ao comentar a dificuldade de mobilização, o amigão de Lula lamentou: “O povo faltou. O povo faltou no impeachment, o povo faltou na prisão de Lula”. Eis aí, para os espíritos autoritários, o “problema” das verdadeiras democracias: o povo, quando é livre, tem vontade própria.

Portal Estadão, em 19/07/2018