Bloqueios contra os pobres
Os pobres foram os mais
prejudicados - como se podia prever - pelo efeito inflacionário da crise no
transporte rodoviário. O bloqueio de estradas no fim de maio dificultou a
entrega de produtos essenciais, incluídos alimentos, reduzindo a oferta no
varejo e esfarelando o orçamento familiar. Sem surpresa, o custo de comida e
bebidas puxou a alta dos indicadores oficiais de inflação durante a paralisação
dos caminhões e nas semanas seguintes. Em junho, o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) subiu 1,26%, na maior variação para o mês desde a taxa
de 2,26% em 1995. Esta apuração mostra o impacto na despesa típica das famílias
com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos. O prejuízo imposto às famílias
mais modestas, com renda de 1 a 5 salários mínimos, é mostrado pela evolução do
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), com elevação de 1,43%, a mais
ampla para o mês também desde 1995 (2,18%).
A variação de preços dos
alimentos foi multiplicada por mais de 6 de um mês para outro, pulando de 0,32%
em maio para 2,03% em junho, no caso das famílias com renda de 1 a 40 salários
mínimos. O encarecimento de comida e bebida teve um impacto de 0,50 ponto
porcentual na formação do índice e foi o principal fator da alta de 1,26% do
IPCA. No caso do INPC, o aumento geral de 1,43% foi puxado pelo salto de 2,24%
do custo da alimentação (0,29% no mês anterior). A evolução do item alimentos e
bebidas teve impacto de 0,67 ponto porcentual na formação do INPC, quase metade
da variação total de 1,43%.
A forte pressão iniciada
em maio mudou abruptamente a trajetória dos dois indicadores de inflação
calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No caso
do IPCA, a alta acumulada em 12 meses passou de 2,86% em maio para 4,39% em
junho. Durante 13 meses consecutivos, a partir de maio do ano passado, essa
taxa havia ficado abaixo de 3%. Na maior parte desse período (11 meses), nem
sequer havia batido em 3%.
Nesta fase, a inflação
tomada como referência principal pelo governo e pelo Banco Central (BC) foi
inferior ao limite mínimo de tolerância fixado pelo Conselho Monetário Nacional
(CMN), 1,5% abaixo da meta anual de 4,5%.
No caso do INPC, a
variação em 12 meses passou de 1,76% em maio para 3,53% em junho. Durante 12 meses,
a partir de junho do ano passado, a alta acumulada havia sido inferior a 3% e
com frequência inferior a 2%. As famílias mais pobres, com renda de até 5
salários mínimos, vinham tendo a rara e preciosa experiência de uma inflação
menor que a das camadas médias baixas e médias.
Embora outros fatores
tenham contribuído para esse resultado, a inflação moderada para as famílias de
rendimento mais modesto refletiu principalmente a evolução favorável dos preços
da alimentação. Quem vive com orçamento tão limitado tem quase sempre algum
motivo de queixa. Isso é facilmente compreensível. Mesmo com inflação baixa, a
alta de preço de qualquer bem ou serviço desarranja os gastos. De toda forma,
inflação moderada sempre torna a vida mais fácil, especialmente quando evoluem
favoravelmente os preços da alimentação, um item com peso tanto maior quanto
menor a renda.
O aumento de preços
provocado pela paralisação do transporte pode ser passageiro, como afirmou o
gerente da Coordenação de Índices de Preços do IBGE, Fernando Gonçalves. É mais
difícil avaliar, neste momento, o impacto da alta do dólar, porque a
instabilidade cambial poderá prolongar-se nos próximos meses.
A turbulência no câmbio
dependerá de fatores externos, como o conflito comercial entre Estados Unidos e
China e a alta dos juros americanos, e internos, associados principalmente à
incerteza política.
Seja como for, a inflação
ficará neste ano acima das projeções formuladas até há pouco e bem mais próxima
da meta de 4,5%. Dirigentes do BC terão de avaliar esses e outros fatores para decidir,
a partir de agosto, se os juros voltarão a subir. Mesmo sem juros maiores, a
incerteza eleitoral já afeta o ritmo da economia e do emprego. De novo, os mais
pobres são os mais prejudicados.
Portal Estadão em
07/07/2018