Helena Chagas
Antonio Lucena - Ilustração/Reprodução |
Alguns dirão, com certa
razão, que a culpa é do próprio Supremo Tribunal Federal, que nos últimos
tempos desceu do pedestal de árbitro e virou parte na disputa política. E não
apenas uma parte: vários times de toga disputam a taça da insensatez, num jogo
cheio de gols de mão, ofensas e rasteiras. O resultado disso pode ser
institucionalmente muito perigoso: a cada dia tem mais gente querendo dar
cartão vermelho ao Supremo.
Da proposta com cheiro de
AI-2 de Jair Bolsonaro, que se for presidente vai querer criar mais dez vagas
na Suprema Corte e preenchê-las, ao extremo oposto do espectro, onde o
ex-presidente Lula critica, em carta, os atos de Edson Fachin e diz ter razões para
não acreditar mais na Justiça, é muito grave o clima que vai se criando em
torno do STF.
Do outro lado da rua, a
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aproveita o baixo astral para
aprovar projeto proibindo ministros do Supremo de suspenderem a vigência de
leis em decisões monocráticas, sem passar pelo plenário ou pelas turmas. O que
se diz nos corredores quase vazios do Congresso é que, depois das eleições,
virá mais, sob a capa de uma reforma do Judiciário, junto com medidas para
aliviar a situação de acusados da Lava Jato.
Ao mesmo tempo, juízes e
procuradores de primeira instância, cheios de seguidores nas redes, num
desrespeito inédito, martelam diariamente comentários críticos e até ofensivos
contra ministros do Supremo. O procurador Deltan Dallagnol, por exemplo, diz no
twitter que o ministro Dias Toffoli, ao dar habeas corpus a José Dirceu, soltou
seu “ex-chefe”.
Divergir é normal. Nas
democracias em que se exerce o equilíbrio entre os poderes, supremas cortes
foram feitas mesmo para desagradar a gregos, troianos e goianos. É do jogo,
desde que o órgão máximo do Judiciário mantenha a credibilidade de quem exerce
seu poder acima e além de circunstâncias conjunturais e interesses políticos.
Talvez seja justamente
isso – essa credibilidade – que a politização do Supremo esteja perigosamente
começando a minar. Ainda que a atual radicalização não tenha nascido exatamente
ali, e seja fruto de uma crise mais ampla da democracia representativa, que
distancia cada vez mais representantes e representados e faz crescer o repúdio
à política e suas instituições.
Ou alguém imaginou que,
desmoralizado o Legislativo entre múltiplas práticas de corrupção, e
enfraquecido o Executivo com o impeachment de uma presidente por “pedaladas
fiscais”, e sua substituição por um vice atolado em acusações, iria ficar tudo
bem?
O Judiciário, antes
apontado como salvador da pátria, mas na verdade cheio de mazelas como os
outros, faz parte desse sistema. Era uma questão de tempo que se tornasse
também um poder sob ataque, de dentro e de fora. Quem pode estar prestes a
receber cartão vermelho é a própria democracia.
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