Murro em ponta de faca
Eliane Cantanhêde
Tudo o que o presidente Michel Temer diz, faz ou anuncia
se volta contra ele, como se batesse num muro intransponível. A própria “festa”
pelos dois anos de governo sucumbiu diante de um slogan inacreditável e das
longas reportagens sobre um ano do áudio com Joesley Batista. Só cola o que é
contra Temer.
Depois do “Bora, Temer”, agora uma nova piada pronta: “O
Brasil voltou, 20 anos em 2”, ou “o Brasil voltou 20 anos em 2”? Dezenas de
páginas de discurso do presidente versus uma frase de uma infelicidade gritante.
Adivinhe quem ganhou essa disputa na internet e na mídia... E a nova peça
publicitária, com um afogado, além de inoportuna nesses tempos difíceis, é de
mau gosto incrível.
Até quando Marcela Temer se meteu no lago Paranoá para
salvar a cachorrinha não houve tempo para capitalizar e humanizar a imagem
presidencial. O Planalto sabotou uma reação simpática, punindo a agente
responsável pela segurança da primeira-dama.
No discurso de segunda-feira, Temer elencou todos os
avanços da economia, os juros em queda, a inflação mínima, o fim da recessão. O
resto da semana, porém, foi derrubando, um a um, os dados do presidente. O
Banco Central interrompeu o processo de queda dos juros, o dólar passou ontem
dos R$ 3,70 e a Bolsa caiu 3,37%. E a subutilização atingiu 24,7% da força de
trabalho, algo em torno de 30 milhões de brasileiros – 30 milhões!
E o fim da recessão? Na conversa com o presidente, na
sexta-feira, ele falava animadamente da recuperação econômica e citou um
crescimento de 3% neste ano. Questionei, porque o mercado já estava revendo
essa previsão para baixo. Pois é. Com o resultado negativo do primeiro
trimestre, a perspectiva agora é só de 2,3%.
Tudo parecia ir muito bem para Temer, que convocou um
“dream team” para a economia e aprovava tudo o que queria no Congresso
Nacional. Até que, exatamente há um ano atrás, veio explodir a degravação da
conversa com Joesley Batista, da J&F, com a frase que acompanhará Temer
para todo o sempre: “Tem que manter isso, viu?”.
Afora o fato de que o então procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, editou a sequência do diálogo – o que é, não apenas
pouco profissional, mas imoral –, aquele áudio veio acompanhado de uma imagem
demolidora: a da corridinha ridícula do então assessor Rodrigo Rocha Loures com
a mala entupida com R$ 500 mil.
Em sua primeira manifestação pública, Temer usou o tom e
a argumentação de jurista, com uma comparação constrangedora para Janot. Se a
presunção era de que a mala de Rocha Loures seria na verdade do próprio Temer,
era legítimo deduzir também que os milhões que o procurador Marcelo Muller
recebia como advogado seriam também do próprio Janot.
Assim como Rocha Loures era assessor dileto de Temer no
Planalto, Muller era o braço direito de Janot no Planalto. E acumulava duas
funções incompatíveis por definição: em metade do expediente, era o procurador
que investigava a J&F e fechava o acordo de delação com Joesley; na outra
metade, o advogado pago a peso de ouro para ensinar a Joesley como engabelar a
PGR e se dar bem.
É dessas histórias em que não há mocinhos e em que
ninguém se sai bem, mas quem mais perdeu, sob todos os aspectos, foi Temer. Com
ele, perdeu o governo, que acabou precocemente. E perdeu o País, que
interrompeu bruscamente sua recuperação e a chance de aprovar a reforma da
Previdência.
Temer está rouco de tanto falar das vitórias do seu
governo, mas ninguém lhe dá ouvidos. O que fica são o “tem que manter isso,
viu?”, o vídeo de Rocha Loures, o “Brasil voltou 20 anos em 2”... E, agora, a
reviravolta na economia. Seria só melancólico, não fosse trágico. E 2019 vem
aí.
Publicado no portal do Jornal Estado de São Paulo em
18/05/2018