domingo, 13 de maio de 2018

➤Blog do Noblat

O PT esqueceu Dilma

Que a mídia, batizada pelo PT de golpista, esquecesse a deposição de Dilma para só lembrar-se dos dois anos de governo Temer completados ontem, até se compreenderia. Não por golpista, mas porque a mídia vive do que interessa ao distinto público. E Dilma já não interessa.

Mas o PT… Logo o PT que desfrutou o que pode e o que não deveria ter desfrutado enquanto Dilma governou por quase seis anos… PT ingrato!

Fosse verdade o que ele começou a dizer quando Dilma ainda não havia perdido o cargo, teria providenciado uma homenagem para ela, vítima de um “golpe” que sequer foi concluído com a prisão de Lula. Como golpe não houve e Dilma virou um estorvo, o PT preferiu esquecer a data.

À falta de José Dirceu e de Antônio Palocci cujas cabeças já haviam rolado, determinado a não abrir espaço a quem lhe fizesse sombra, Lula escolheu Dilma para sucedê-lo em 2010. Era mulher. Nenhuma até então, salvo a Princesa Isabel, havia governado o país. Tinha fama de boa gestora.

Mulher, boa gestora, nada disso importava de fato a Lula. Ele queria um presidente que obedecesse às suas ordens. Dilma serviria apenas de ponte para Lula atravessar os oito anos anteriores de governo em direção aos próximos oito. Deu errado porque Dilma quis ficar mais quatro anos.

Lula e o PT, por cegueira, oportunismo e falta de piedade, apontam Dilma como a principal culpada por suas desditas. Anteontem, Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, que já cumpriu pena como mensaleiro, foi pranteado pelo PT porque em breve será preso outra vez. Ninguém pranteia Dilma.

Não foi ela sozinha que afundou o PT, embora tenha colaborado ativamente para isso. O PT afundou graças a Lula e aos seus ambiciosos companheiros que se embriagaram pelo poder e não queriam mais largá-lo. Preso em Curitiba, Lula tenta, hoje, arrastar o PT para sua cela.

Publicado n o portal da Revista Veja em 13/05/2018

➤OPINIÃO

Geisel sem pedestal

Eliane Cantanhêde

Tudo nestes tempos revoltos vira uma guerra insana e até cruel na internet e é exatamente esse o caso, agora, da bombástica revelação da CIA de que o então presidente Ernesto Geisel transformou a execução de opositores em política de Estado. Isso mexe com as mais profundas feridas e as mais arraigadas ideologias, mas a radicalização, para qualquer lado, continua sendo o pior caminho.

Como ponderou o presidente Michel Temer, em conversa comigo na sexta-feira, não se trata de uma versão nacional, mas da CIA, e nem tudo o que a CIA diz é necessariamente verdade. Acrescente-se: os Estados Unidos invadiram e aniquilaram o Iraque, sem aval do Conselho de Segurança da ONU, com base na informação da sua agência de inteligência de que Saddam Hussein desenvolvia sofisticadas armas químicas e biológicas. Foi um erro grosseiro. Ou uma mentira intencional.

O documento trazido à luz pelo professor Matias Spektor é uma nova frente de pesquisa sobre a verdadeira identidade e os reais propósitos do governo Geisel. Mas funciona como uma delação premiada: é uma versão, precisa ser recheada de provas. Dúvidas: como a reunião e a decisão de Geisel jamais vazaram no próprio Brasil? Por que um ou mais generais envolvidos contariam justamente para os norte-americanos, se eles se baseavam no velho nacionalismo que exalava ojeriza aos EUA? Para agradar a Washington?

Mas, “se non é vero, é ben trovato”. Apesar da “distensão lenta, gradual e segura” de Geisel, a ditadura continuou executando e torturando os adversários – ou “subversivos perigosos”, como registra a CIA.

Presidentes não são obrigados a saber tudo (assim como Lula nunca soube do mensalão?) e Geisel poderia até não saber de uma ou duas mortes. Mas de tantas? Ele demitiu o general Ednardo D’Ávila Mello após o assassinato de Wladimir Herzog, mas pelas mortes e torturas? Ou porque ele desafiava a abertura e o que o então presidente mais prezava: sua autoridade?

O fato é que o documento atinge profundamente a biografia de Geisel, com quem eu conversava uma a duas vezes por ano, depois da Presidência. E ele sempre com muito cuidado de não se vender como o “mocinho” lutando contra os “bandidos” do seu próprio regime. Criticava genericamente a “linha dura”, mas nunca foi enfático, indignado, contra seus métodos. Subliminarmente, era como se fossem um “mal necessário”.

A partir da CIA, há dois personagens num só: o ditador determinado a devolver o País aos civis e o pragmático convencido de que tinha de dançar conforme a música dominante no regime: a favor de matar e torturar, inclusive quase meninos, em nome do combate ao comunismo. Esse confronto entre as intenções de Geisel e sua submissão ao regime é claro na obra magistral de Elio Gaspari sobre a ditadura. E foi bem resumido, ontem, por Spektor: “O que Geisel fez foi chamar para si a responsabilidade (da repressão), para poder abrir”. Ceder para avançar.

Seria mais fácil, e aplaudido, escrever um texto apaixonado contra o ditador assassino ou, muitíssimo pior, em defesa da guerra contra o comunismo. A política e a história, porém, não se fazem com paixão. Se comprovada, a informação da CIA derruba Geisel do pedestal de quem jamais compactuou com os “desaparecimentos”. Mas não apaga a realidade de que ele efetivamente se empenhou pela abertura. Não existe “meio ditador”, mas Ernesto Geisel foi um ditador que operou para derrubar a ditadura.

Que o documento da CIA reabra serenamente a Comissão da Verdade e o debate sobre o reconhecimento de responsabilidade das Forças Armadas, como defende seu último presidente, Pedro Dallari. A verdade às vezes dói, mas nada como a verdade para curar velhas e evitar futuras feridas.

Publicado no portal do jornal Estado de São Paulo em 13/05/2018