Eliane Cantanhêde
Avançam as articulações de ministros do Supremo para, em
tratativas com a defesa do ex-presidente Lula, acabar com a prisão após
condenação em segunda instância e mudar os rumos da Lava Jato. Como a
presidente Cármen Lúcia mantém firmemente sua palavra de não colocar a questão
em pauta, a solução que emerge é criativa e sofisticada.
Habeas corpus (HC) só pode ser posto “em pauta” pela
presidência ou “em mesa” por um deles, o que já não é usual, mas embargos de
declaração em liminares podem ir ao plenário e os ministros foram buscar uma
liminar de outubro de 2016 para ancorar toda a estratégia: justamente a liminar
que permitiu a prisão após a segunda instância, confirmada pelo plenário em
dezembro daquele ano por 6 a 5.
A defesa de Lula descobriu, e soprou aos ouvidos de
ministros, que o acórdão da liminar nunca tinha sido publicado e isso abria uma
brecha para a revisão. Ora, ora, o acórdão acaba de ser publicado agora, em 7
de março, abrindo prazo de cinco dias úteis para a apresentação de recursos. E,
ora, ora, o Instituto Ibero Americano de Direito Público entrou com embargo de
declaração no último dia do prazo, 14 de março, quarta-feira passada.
Um embargo de declaração numa liminar de um ano e meio
atrás, que gerou dois meses depois uma decisão em plenário? Tudo soa muito
estranho, muito nebuloso, mas faz um sentido enorme para aqueles que articulam
o fim da prisão em segunda instância não apenas para Lula, mas para todos os
poderosos que estão ou estarão no mesmo caso.
Lembram que escrevi, neste espaço, que havia um acordão
dentro do Supremo para combinar o fim da prisão em segunda instância e do foro
privilegiado? A base é uma equação: quem é contra Lula salva a pele dele para
salvar a de todos os demais; quem é a favor de Lula salva a pele de todos os
demais para salvar a de Lula.
Houve uma sequência de tentativas que acabaram batendo
num muro intransponível: a opinião pública, que não consegue digerir a mudança
de uma decisão – que já passou por três julgamentos no STF – com o objetivo
óbvio, gritante, de evitar que Lula vá para a cadeia.
A primeira tentativa foi convencer Cármen Lúcia de por o
habeas corpus preventivo de Lula em pauta, mas ela declarou que mudar uma
jurisprudência para beneficiar um réu seria “apequenar” o Supremo. Depois, veio
a sugestão de levar ao plenário os HCs de outros condenados, não
especificamente Lula, mas ela divulgou a pauta de abril sem incluir a questão.
A terceira tentativa foi escalar um dos outros dez
ministros para, driblando a decisão da presidente, colocar a questão em mesa e
forçar a revisão. Mas quem? Gilmar Mendes já tinha o seu papel definido no
script: inverter o voto e o resultado. O relator da Lava Jato, Edson Fachin,
foi categórico ao dizer que não aprovava mais um julgamento sobre o mesmo
assunto. Lewandowski, Marco Aurélio e Toffoli avisaram que não entrariam nessa
bola dividida.
Criou-se até uma torcida para o decano Celso de Melo
assumir o papel e foi aí que surgiu a solução – atribuída a Sepúlveda Pertence,
ex-STF e atual advogado de Lula – de publicar a liminar de 2016, gerar um
embargo de declaração e levá-lo ao plenário, criando a oportunidade para Gilmar
Mendes mudar o seu voto e acabar com a prisão após a segunda instância.
Cármen Lúcia foi chamada para uma reunião na próxima
terça-feira, provavelmente para discutir a ideia de, em vez da segunda
instância, o plenário autorizar o cumprimento da pena após condenação no
Superior Tribunal de Justiça (STJ). A prisão de Lula seria adiada por muitos
meses, caso mantida; os presos após a segunda instância entrariam com HC; os
futuros condenados respirariam aliviados. E a Lava Jato? O que fez, fez; o que
não fez, só fará em parte.
*Publicado no portal do jornal Estadão em 18/03/2018