Eu não sou candidato*
Desde que assumiu a Presidência da República, em maio de
2016, com o afastamento de Dilma Rousseff, Michel Temer vem reiteradamente
afirmando que não é e não será candidato à reeleição. Isso deveria bastar para
encerrar as insistentes especulações sobre o suposto interesse eleitoral de
Temer – muitas delas cultivadas pelo próprio entorno do presidente –, pois tal
falatório só aproveita a quem pretende criar embaraços ao governo no momento em
que este se desdobra para entregar um país minimamente governável para a
próxima administração. Como o falatório continua, no entanto, o presidente
Temer tornou a vir a público para dizer com todas as letras, de novo, que não é
candidato à reeleição.
“Eu não sou candidato”, disse Temer em entrevista à Rádio
Bandeirantes. Diante da insistência do entrevistador, que queria saber se
aquela resposta era definitiva ou se poderia mudar no futuro, a depender das
circunstâncias, Temer respondeu em português claro: “Eu não serei candidato”.
Não há diferença entre essas respostas e a que ele deu em
maio de 2016, ainda na condição de presidente interino, quando afirmou, em
entrevista à TV Globo: “Eu estou negando a possibilidade de uma eventual
reeleição”. Um ano mais tarde, em entrevista coletiva, declarou que era “zero”
a possibilidade de tentar a reeleição, ainda que houvesse, no futuro, clamor
popular por sua candidatura.
Em nenhum momento, portanto, se ouviu da boca do
presidente qualquer afirmação ou mesmo insinuação de que ele poderia ser
candidato à reeleição. Essa hipótese só existe e se sustenta, a despeito das
negativas do maior interessado, em razão da insistência com que os áulicos do
Palácio do Planalto, cada qual com seus objetivos pessoais, fazem circular
fuxicos e balões de ensaio sobre as imaginárias pretensões de Temer.
O último a tocar no assunto foi o chefe da Secretaria de
Governo, ministro Carlos Marun. Em entrevista à Veja, Marun, a despeito de
admitir que Temer “continua a dizer que não quer” tentar a reeleição, afirmou
que a candidatura do presidente é “necessária”, pois assim seria possível
aprovar a reforma da Previdência no próximo mandato. O ministro acrescentou que
a decisão de Temer de intervir na segurança pública do Rio, que a oposição
denuncia como um ato eleitoreiro, “será, sim, um fator determinante nas
próximas eleições”.
Pelo visto, nem todos entenderam o pito que o presidente
mandou passar naqueles que falam mais do que devem a respeito das suas decisões
neste momento e de seus supostos planos para as eleições. Como se sabe, depois
que o marqueteiro Elsinho Mouco, um dos responsáveis pela propaganda do
governo, disse que Temer “já é candidato” e que “o Temer jogou todas as fichas
na intervenção”, o porta-voz da Presidência, Alexandre Parola, esclareceu que
“assessores ou colaboradores que expressem ideias ou avaliações sobre essa
matéria não falam, nem têm autorização para falar, em nome do presidente”.
É evidente que, em política, promessas e garantias não
valem grande coisa, mas, ao dizer, de saída, logo ao assumir a Presidência, que
não era candidato a nada em 2018, Temer construiu as condições que lhe
permitiram se dedicar a uma agenda crucial de reconstrução do Brasil, depois da
tragédia lulopetista. Ciente de que sua enorme impopularidade dificilmente
seria revertida a tempo de viabilizar uma candidatura à reeleição, Temer pôde
se dedicar sem embaraços à dura tarefa de aprovar as reformas que estancaram a
violenta crise econômica e administrativa legada por Dilma Rousseff.
O relativo sucesso dessa empreitada acalenta legítimas
aspirações eleitorais dentro do governo, a começar pelo ministro da Fazenda,
Henrique Meirelles, que fala abertamente de sua candidatura. Assim, é até
natural que surjam especulações sobre um eventual desejo do presidente Temer de
se reeleger. O que não é aceitável é que partam de dentro do governo sugestões
de que os últimos atos do presidente, de enorme gravidade, tinham por objetivo
alimentar uma candidatura que simplesmente não existe.
*Publicado no Portal Estadão em 24/02/2018