O STF e decisões monocráticas*
Pesquisa divulgada pelo site Consultor Jurídico, com
base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revela que, dos 26,5 mil
julgamentos de mérito realizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017,
13,6 mil – o que corresponde a 51,3% do total – foram realizados por um único
ministro, sem a participação dos demais membros da Corte. No ano passado, o
Supremo recebeu 103,6 mil processos, ante 90,3 mil em 2016. No cômputo geral,
com a inclusão dos diferentes tipos de recurso judicial, as decisões
monocráticas corresponderam a 89,8% das 113,6 mil proferidas em 2017.
Esses números mostram que o Supremo não apenas vem sendo
cada vez mais demandado, como também está se revelando incapaz de exercer com
eficiência sua responsabilidade maior – a de aplicar a Constituição e garantir
a segurança do direito. Afinal, o mais importante tribunal do País é um órgão
colegiado por sua própria natureza. Pela Constituição, quem recorre a ele tem o
direito de ser julgado pelo plenário, e não por um magistrado individualmente.
Quando isso não ocorre, quem bate às portas do Supremo para defender seus
direitos acaba ficando na dependência do subjetivismo, das oscilações de humor,
das convicções doutrinárias e das inclinações políticas de um único magistrado.
E é esse justamente o grande perigo das decisões monocráticas, uma vez que
estão elas a estimular o protagonismo judicial e a gerar crises institucionais.
Quando o Supremo atua como órgão colegiado, ministros com
distintas inclinações doutrinárias podem debater, divergir e examinar cada ação
e cada recurso com profundidade e transparência. As discussões do plenário
permitem que a Corte possa ser vista pelo nível da qualidade de formação de
cada um de seus 11 membros, pela profundidade ou ligeireza do que dizem, pela
consistência ou superficialidade de seus votos. Isso não só legitima a decisão
dada, como ainda reforça a autoridade da Corte, já que as divergências são um
dos pressupostos da democracia. Inversamente, nas decisões monocráticas não há
diálogo nem troca de ideias, e muitas vezes elas acabam gerando dúvidas quanto
à falta de imparcialidade e/ou viés corporativista da parte de quem as tomou. É
esse o caso, por exemplo, do processo que contesta o pagamento de
auxílio-moradia para a magistratura, cuja tramitação ficou paralisada porque o
relator – ministro Luiz Fux, que tem uma filha desembargadora e é parte
interessada na matéria – pediu vista e demorou mais de três anos para
devolvê-lo ao plenário.
No cotidiano do Supremo, o excesso de decisões
monocráticas em detrimento das decisões colegiadas revela também as estratégias
políticas adotadas pelos ministros para evitar o plenário ou tentar
emparedá-lo. Por gerar imprevisibilidade e disseminar a incerteza jurídica,
essas artimanhas têm efeitos corrosivos sobre o regime democrático, que é
representativo por excelência.
Um simples pedido de vista de um ministro pode travar
indefinidamente a tramitação de processos que interessam a toda a sociedade. Ao
reter unilateralmente um caso em seu gabinete, um ministro com posição
minoritária na Corte também pode impedir que a vontade da maioria prevaleça.
Vendo-se como reformadores sociais e defendendo a tese de que “interpretações
contra-majoritárias aumentam as potencialidades civilizatórias” no âmbito de
uma sociedade complexa e heterogênea como a brasileira, há no Supremo ministros
que se valem das decisões monocráticas para tentar fazer prevalecer posições
favoráveis a setores minoritários da sociedade, afrontando assim a regra de
maioria.
Acima de tudo, a prevalência das decisões monocráticas
sobre as decisões colegiadas no Supremo representa uma espécie de antessala
para a politização da aplicação do direito e a subsequente transformação do
legal em ilegítimo. Se continuarem agindo dessa maneira, sem valorizar as
discussões e decisões de plenário, os ministros do Supremo reduzirão a Corte a
um simples somatório de atuações individuais, pondo em risco sua credibilidade.
*Publicado no Portal Estadão em 17/02/2018