Pobres saem do sufoco*
A economia voltou a crescer e o desemprego, embora
em
queda, ainda é alto. Com realismo e sem jogadas eleitoreiras,
mudanças
positivas poderão acelerar-se
As famílias de baixa renda, geralmente as mais
prejudicadas quando os preços disparam, estão sendo beneficiadas pelo recuo da
inflação. Aos poucos, e ainda com muito cuidado, voltam a diversificar as
despesas, buscando no comércio algo além do essencial para a sobrevivência. Com
alimentos menos caros, sobra mais dinheiro para outros bens e serviços.
Elevam-se, portanto, os padrões de consumo. Apesar disso, o normal ainda é
reclamar da vida, como se nada tivesse melhorado, mas o movimento nos shoppings
e outros indicadores mostram um ambiente de maior animação. Além disso, as
pessoas tendem a reconhecer mais prontamente a piora das condições de compras
do que qualquer melhora na evolução dos preços. Mas aos poucos se acumulam os
sinais positivos. Exemplo: nas lojas de produtos eletroeletrônicos, as vendas
de televisores básicos têm crescido mais rapidamente que as de aparelhos mais
sofisticados.
Mesmo sem corte de preços, a mera redução do ritmo de
aumentos contribui para diminuir o sufoco e produzir algum alívio. Inflação
menor significa menor corrosão dos ganhos das famílias. Em outras palavras,
significa ampliação do poder de consumo. Todos os grupos de famílias foram
beneficiados pelo recuo da inflação.
Os números normalmente mais divulgados e discutidos são
os do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para
as políticas oficiais. Esse índice é baseado em orçamentos de famílias com
renda mensal de até 40 salários mínimos. É preciso, sempre, dar mais atenção a
outra pesquisa, a do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), referente
a famílias com renda mensal de um a cinco salários mínimos.
Em setembro, o IPCA subiu 0,16%, numa evolução
notavelmente benigna. Sua alta acumulada em 12 meses ficou em 2,54%,
ligeiramente acima da contabilizada no período encerrado no mês anterior,
2,46%. No fim de 2016 esse indicador estava acima de 10%. Mas os números do
INPC, muito menos divulgados e comentados até pelo próprio governo, são até
melhores.
Esse índice caiu 0,03% em agosto e recuou mais 0,02% em
setembro. O aumento acumulado em 12 meses foi de apenas 1,63%, no período até
setembro, resultado mais notável que o do IPCA. Os dois indicadores são
calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nos dois casos, o recuo foi puxado pelos preços da
alimentação. Esse detalhe é especialmente importante para as famílias de baixa
renda, porque normalmente gastam uma porcentagem maior da renda mensal para
levar comida à mesa. No IPCA, o custo da alimentação diminuiu 1,07% em agosto e
0,41% em setembro. No INPC, as quedas nesses meses foram de 1,18% e de 0,57%.
Sem dúvida, menores despesas com comida e bebida contribuem para a recomposição
dos gastos e a melhora geral do consumo. Mas a melhora das condições das
famílias tem decorrido também da evolução favorável dos demais preços, com
aumentos menores.
Com a queda dos preços dos alimentos, o INPC, medida da
inflação das famílias de renda até cinco salários mínimos, recuou 0,02%. Ótimo.
Mas, se o custo da alimentação, em vez de cair, tivesse tido variação zero, o
índice total teria subido apenas 0,15%. Projetado para 12 meses, esse número
daria uma inflação abaixo de 19%.
A melhora do orçamento familiar tem resultado, portanto,
de vários fatores além da boa produção de comida. Outros preços têm subido bem
menos que nos anos anteriores, graças a uma política monetária bem calibrada (e
já com redução de juros), à elevação da confiança na economia e à menor
indexação, um desdobramento da inflação em queda. Sem populismo, e sem contenção,
portanto, de preços de combustíveis e de tarifas de eletricidade, a política em
vigor desde o ano passado reduz o sufoco das famílias.
A economia voltou a crescer, lentamente, e o desemprego,
embora em queda, ainda é alto. Com realismo e sem jogadas eleitoreiras mudanças
positivas poderão acelerar-se de forma segura. O reparo dos danos deixados pelo
populismo ainda vai dar muito trabalho
*Publicado no Portal Estadão em 17/10/2017