terça-feira, 19 de setembro de 2017

➤Escolas e Planos de Saúde

Reajustes superam inflação

No sentido oposto do movimento de desaceleração da inflação, entidades que representam planos de saúde e escolas pleiteiam índices de correções de mensalidades muito acima da inflação

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) queria um aumento de 19,4% para as mensalidades, mais que o triplo da inflação oficial acumulada em 2016 pelo IPCA, de 6,2%. A Agência Nacional de Saúde (ANS) autorizou 13,55%, um porcentual bem menor do que o solicitado, mas muito acima da inflação. Os planos de saúde têm seus preços monitorados pelo governo e precisam que o reajuste seja autorizado.

Já no caso das escolas, os preços são livres. Porém, elas só podem reajustá-los uma vez por ano. Para 2018, o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp) prevê que os reajustes variem entre 4% e 8%. É um índice que supera a inflação como um todo deste ano, em torno de 3% esperada para o IPCA.

Pedro Ramos, diretor da Abramge, diz que o descolamento entre os índices de reajustes das mensalidades pleiteados e concedidos ao setor em relação aos índices de inflação ocorre por conta de vários fatores. O primeiro é que a inflação médica é muito mais elevada do que a inflação geral, porque envolve medicamentos, mão de obra especializada, por exemplo.

Pedro Ramos
Além disso, ele aponta o grande desperdício, com a solicitação de exames desnecessários. Ramos acrescenta a grande incidência de fraudes, que impõe custos maiores.

Ele admite que um reajuste de preço nesse nível é uma dinâmica perversa que atinge o consumidor, mas ressalta que, se o setor não tiver preço adequado, as empresas vão fechar

 “Temos capacidade instalada um pouco ociosa e os sinais de recuperação da economia são muito fracos. Nossa margem está abaixo de 0,5%.” Por causa da crise, entre janeiro de 2015 e junho deste ano, o setor perdeu três milhões de beneficiários de planos de saúde.

Já as escolas do Estado de São Paulo não sentiram retração. Em 2016, houve crescimento de 1,4% no número de alunos. “Não perdemos alunos para a rede pública porque o nosso concorrente é muito ruim”, diz o presidente do Sieeesp, Benjamin Ribeiro. Ele explica que houve migração de escolas mais caras para as mais baratas e que negociações entre pais e alunos para obter descontos se intensificaram. “Mas as famílias estão privilegiando manter os filhos na escola particular.”

Quanto ao porcentual de reajuste, Ribeiro diz que escola não é produto de prateleira e os custos variam de escola para escola. Como os aumentos só podem ser feitos uma vez ao ano, ele ressalta que é preciso cautela para não errar. “O mercado é muito competitivo e qualquer reajuste errado pode afetar a escola, que só tem como fonte de receita a mensalidade.”

VEJA/Agência Estado

➤Coreia do Norte

Um plano para deixar Kim sem ‘gasolina’


Quando a Coreia do Norte lançou seus mísseis de longo alcance, eles foram propelidos pelo UDMH, um combustível raro e potente que as agências de inteligência acreditavam ser de origem chinesa e russa. Os EUA ainda não determinaram se os dois países fornecem matéria-prima para esse combustível volátil e se o fornecimento pode ser interrompido por meio de sanções ou sabotagem.

Analistas acreditam que os EUA precisam se concentrar na questão do combustível para retardar o programa nuclear norte-coreano. Mas pode ser tarde demais. Para membros da comunidade de inteligência, o programa já avançou a tal ponto que o país não dependeria mais de fornecedores externos e estaria produzindo o poderoso combustível por conta própria.

Apesar dos persistentes alertas da comunidade de inteligência de que a Coreia do Norte vinha adquirindo motores e combustível potentes para seus mísseis, não há evidências de que Washington tenha agido com urgência para cortar o acesso de Pyongyang a esse propelente raro.

Memorandos secretos dos governos de George W. Bush e de Barack Obama expuseram, com uma clareza profética, como a busca dos norte-coreanos por um combustível altamente potente permitiria ao país desenvolver mísseis que poderiam alcançar qualquer parte do continente americano.

Os Estados Unidos não produzem mais o UDMH. Em 1996, a agência espacial americana (Nasa) alertou para seus riscos tóxicos e explosivos, produzindo um vídeo que começa com uma detonação espetacular. 

A Casa Branca e as agências de inteligência americanas recusaram-se a dizer o que vem sendo feito para cortar o fornecimento do combustível para os norte-coreanos, mencionando o caráter sigiloso de seus esforços para interromper o programa de mísseis da Coreia do Norte, que incluíram ataques cibernéticos, autorizados pelo presidente Obama em 2014.

Em 2012 e 2014, o combustível foi incluído nas listas do Conselho de Segurança das Nações Unidas de produtos de exportação proibida. Segundo especialistas, pouca gente prestou atenção a esse pormenor.

“Todas as coisas cuja exportação para a Coreia do Norte foram proibidas acabaram entrando de alguma maneira no país”, disse Vann van Diepen, ex-funcionário do Departamento de Estado que teve papel central nos esforços americanos para controlar a propagação de armas de destruição em massa.


No entanto, os registros dos esforços americanos para monitorar o avanço da Coreia do Norte mostram uma preocupação crescente, que já dura uma década, de que os norte-coreanos estariam obtendo motores russos para seus mísseis e o combustível para sua propulsão. 

Um memorando secreto e assinado em outubro de 2008 por Condoleezza Rice, então secretária de Estado, advertia os aliados de que os norte-coreanos haviam obtido um motor cujo combustível propulsor era o UDMH, o que representaria “um avanço substancial na tecnologia de propelentes líquidos por parte da Coreia do Norte”, acrescentando que ele permitiria “ao país construir mísseis de alcance ainda maior”.

O memorando, incluído nos documentos divulgados mais tarde pelo WikiLeaks, é prova dos esforços iniciais para que os países que assinaram o Regime de Controle da Tecnologia de Mísseis mantivessem esse avanço fora do alcance da Coreia do Norte, Irã e de outros países.

O míssil lançado na semana passada pela Coreia do Norte, que sobrevoou o norte do Japão, partiu de um desses lançadores móveis alimentados pelo UDMH, o que foi mostrado por satélites espiões.

Autoridades americanas, assessores do Congresso e cientistas afirmam que indícios sugerem que, no decorrer dos anos, Pyongyang conseguiu o combustível, seus componentes, sua fórmula secreta e os equipamentos de manufatura da China, sua principal parceira comercial. Pequim ainda usa o UDMH em satélites e ogivas e há muito tempo exporta a substância para todo o planeta.
The New York Times/Agência Estado
Fotos: Reuters/Reprodução

➤OPINIÃO

Sob nova direção*

A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, encerrou seu discurso de posse dizendo que os valores que ela defende e que definirão suas ações à frente do Ministério Público “estão na Constituição”. Ela prometeu “muito trabalho, honestidade, respeito à lei e às instituições, observância do devido processo legal e responsabilidade”. São palavras que dão a esperança de que a Procuradoria-Geral da República deixe de ser, a pretexto de dar combate sem quartel à corrupção, a fonte de instabilidade e de violação de direitos básicos que tanto mal fez ao País nos últimos tempos, sob a chefia de Rodrigo Janot.

Raquel Dodge enfatizou seu compromisso em fazer cumprir a função constitucional do Ministério Público, para assegurar que “todos são iguais e todos são livres” e que “o devido processo legal é um direito”. Pode parecer uma platitude, mas, nestes tempos em que delações de criminosos são aceitas como prova pela Procuradoria-Geral, num açodamento que compromete a defesa dos réus e os condena previamente perante a opinião pública, é adequado reafirmar o respeito por essas noções básicas do direito e do papel do Ministério Público.

Ademais, Raquel Dodge lembrou que ao Ministério Público cabe muito mais do que combater a corrupção. “Em todos os lugares do Brasil e em temas muito diferentes, há muito trabalho para o Ministério Público”, disse a nova procuradora-geral, citando a incumbência “de zelar pela higidez do sistema eleitoral, de coibir a violência doméstica, os crimes no trânsito que ceifam tantas vidas, os homicídios e os crimes de corrupção”. Ela mencionou ainda, entre os desafios da instituição, “as elevadas taxas de homicídios, a violência urbana e rural, as falhas na qualidade da escola (...) e a ausência de serviços básicos de saúde onde são necessários”.

A lembrança da múltipla gama de assuntos sobre os quais o Ministério Público deve se debruçar serve como contraponto à ênfase dada, nos últimos tempos, ao combate à corrupção. Como se sabe, vários procuradores da República, especialmente Rodrigo Janot, parecem ter entendido que sua tarefa primordial, talvez única, era depurar a política. Para os engajados nessa missão, nada havia de mais importante do que isso, e todos os políticos passaram a ser suspeitos.

Ao sugerir que as atribuições da Procuradoria-Geral da República vão muito além dos casos de corrupção, Raquel Dodge ajuda o País a sair dessa espécie de transe, em que problemas cruciais são relegados a segundo plano ante a urgência da campanha contra a corrupção – como se tudo dependesse do resultado dessa cruzada.

Raquel Dodge deixou claro que não menosprezará a luta para pegar os corruptos, mas lembrou que o Ministério Público tem muitas atribuições e que “é preciso desempenhar bem todas essas funções, porque todas ainda são realmente necessárias”.

Nota-se, nas palavras de Raquel Dodge, um alvissareiro chamamento ao equilíbrio, necessário depois de tanto radicalismo justiceiro. O contraponto entre o primeiro dia da nova procuradora-geral e o último de seu antecessor, Rodrigo Janot, não podia ser mais eloquente. Em mensagem de despedida, Janot começa citando a famosa frase da tragédia Hamlet, de Shakespeare, “há algo de podre no reino da Dinamarca”, para dizer que a Dinamarca, que “apodrecia com a corrupção moral e política”, poderia ser “o Brasil deste século”. É uma generalização absurda, da qual, obviamente, só escapam as vestais que Janot julga representar.

Ao sair, o ex-procurador-geral, que não foi à posse de Raquel Dodge alegando “motivos protocolares”, trocou suas famosas flechas por uma metralhadora. “O Brasil é nosso!”, bradou Janot, apontando sua arma para “a parcela de larápios egoístas e escroques ousados que, infelizmente, ainda ocupam vistosos cargos em nossa República”. O destempero de Janot não ficou apenas nas palavras. Um de seus atos finais como procurador-geral foi enviar ao Supremo Tribunal Federal uma papelada – imagina-se que sejam processos – que o setor correspondente do tribunal não será capaz de catalogar antes de decorridos dez dias. Por que acumulou essa papelada?

Não se sabe como Raquel Dodge se sairá à frente do Ministério Público, mas será um grande avanço se não tiver seu antecessor como modelo.

*Publicado no Portal Estadão em 19/09/2017