Uma candidatura agregadora
Importa constituir um polo democrático e popular
que olhe
para 2018 com visão de futuro
Fernando Henrique Cardoso*
Em sua fundação, em 1988, o PSDB se insurgira basicamente
contra dois procedimentos: o compromisso de certas lideranças do PMDB com
práticas de conduta reprováveis e a inconsistência, revelada durante a votação
da Constituição, entre os objetivos proclamados pelo partido e o voto dado por
muitos de seus membros. Mário Covas e eu, então, éramos líderes das bancadas do
PMDB, respectivamente, na Constituinte e no Senado.
Na formação do PSDB nossa base social não provinha dos
sindicatos, como no caso dos partidos social-democratas europeus. As questões
sociais que nos preocupavam não se restringiam aos trabalhadores fabris,
abrangiam “o povo em geral”, inclusive o setor agrário e os novos profissionais
urbanos, como os empregados de call centers, os programadores, etc. Não nos
esquecíamos, tampouco, das classes médias, de onde provínhamos.
O PSDB nasceu com uma chave ideológica clara: o
republicanismo (luta contra as iniquidades causadas por privilégios e abusos
corporativos e clientelistas) e o primado do interesse coletivo sobre o
particular. Isso, entretanto, não equivalia à defesa cega das leis do mercado
nem à crença no intervencionismo estatal. A defesa dos interesses gerais requer
responsabilidade fiscal e critérios de eficiência e justiça social na tributação
e no gasto público. O partido nasceu, portanto, com posição ideológica nova,
que aliava a técnica à política e, aos poucos, tornou as posições
social-democratas mais contemporâneas à globalização.
O programa do PSDB recentemente difundido na TV mostrou a
mutação maligna sofrida pelo sistema de alianças decorrente da Constituição de
1988. A eleição do presidente da República com pelo menos 50% mais um de votos,
quando seu partido não alcança mais do que 20% das cadeiras na Câmara, como
ocorreu até hoje, obriga o presidente eleito a compor alianças para governar.
Este sistema, dito “presidencialismo de coalizão”, com o passar do tempo, se
degenerou no “presidencialismo de cooptação”. Juntaram-se grandes empresas e
partidos políticos para a sucção ilegal de recursos públicos, gerando um fluxo
financeiro que beneficiava os partidos e parlamentares que sustentavam os
governos. Isso se deu graças à persistência de uma cultura política oligárquica
e clientelista e graças, também, ao fortalecimento de um capitalismo de laços
entre partidos e empresas (públicas e privadas). No modelo de coalizão a
maioria no Congresso se forma, em tese, com base no acordo entre os partidos
sobre uma agenda do Executivo. No presidencialismo de cooptação o apoio passa
predominantemente pela oferta de vantagens financeiras a partidos, empresas
cartelizadas e indivíduos. Este novo arranjo ganhou força com a ascensão do PT
ao poder, movido por objetivos de ocupação hegemônica do Estado.
Foi no presidencialismo de cooptação que se centrou a
crítica do citado programa do PSDB, dando ouvidos à voz das ruas no repúdio à
corrupção.
O Brasil clama por mudanças e o partido deve apoiá-las,
dentre as quais: a cláusula de barreira para conter a fragmentação partidária e
para impedir a criação de não partidos com acesso aos recursos públicos; a
proibição de coligações nas eleições proporcionais; e o barateamento do custo
das campanhas.
É preciso devolver aos programas “gratuitos” de TV o
formato de debates propositivos, sem o apoio de “marquetagem”. Fundamental,
também, é criar distritos eleitorais menores para as eleições às Câmaras, já na
eleição municipal de 2020.
A doação empresarial, se for aprovada, deve dirigir-se
apenas a um partido em cada modalidade de eleição (federal ou estadual). Os
recursos devem ser doados ao Tribunal Eleitoral, que abrirá contas em nome de
cada partido, para as despesas de campanha. A doação voluntária de pessoas
físicas deve ser estimulada, com fixação de teto. Sem tais alterações, a
começar pelo barateamento das campanhas, mais recursos públicos para as
eleições devem ser recusados, bem como a criação de novos fundos eleitorais.
O PSDB apoiou o governo Temer pelo interesse nacional na
governabilidade e porque ele se comprometeu com reformas que o partido deve
assumir e liderar, lutando para garantir a conformidade entre elas e seu
ideário. É inegável que houve avanços nas áreas econômicas e nas da educação,
habitação e infraestrutura, assim como na política externa. Não há apoios
políticos incondicionais, nem por causa deles se deve deixar de criticar o que
parecer errado. Se existirem divergências mais profundas e substantivas, que
sejam explicitadas antes de um eventual “desembarque”.
O importante, agora, será constituir um polo democrático
e popular que olhe para as eleições de 2018 com visão de futuro. A
globalização, da qual devemos participar com mais intensidade do que até agora,
se baseia numa tecnologia que requer inovação constante e formação
técnico-científica, tanto de executivos como dos empregados e trabalhadores em
geral. O crescimento da economia dependerá da aplicação eficiente do
conhecimento à produção e de sua melhor integração às cadeias internacionais de
produção e valor. É preciso gerar crescimento econômico sem comprometer o meio
ambiente, já ameaçado em escala global. O olhar social requer compromissos
morais inescapáveis: a bandeira da igualdade ganha enorme força diante da
desigualdade gritante prevalecente e deverá implicar mais e melhor educação,
saúde e segurança. A moralidade pública e privada é um requisito para que as
pessoas possam voltar a crer nos que governam.
O País necessita de uma candidatura agregadora para 2018,
que assuma essas bandeiras. Chances de vitória existem, se tivermos competência
para retomar uma narrativa que, valorizando o muito que o PSDB fez na área
social (Fundef, bolsa-escola, avanços na reforma agrária, estruturação do SUS,
implementação da Loas, etc.), abra os horizontes do futuro e defenda os valores
morais.
* Sociólogo, foi presidente da República
Publicado no Portal Estadão em 03/09/2017