Sem sombra e água fresca*
A calmaria é só na superfície, porque a economia
e a Lava Jato estão a mil por hora
Eliane Cantanhêde
Derrotada na Câmara a denúncia contra o presidente Michel
Temer, o previsível é que o foco de Brasília e da mídia se desloque para duas
outras áreas: a economia e a guerra entre Polícia Federal, Ministério Público e
ministros do Supremo, inclusive com troca pública de desaforos. A política
entra numa fase mais morna, a economia esquenta e a Lava Jato pode incendiar
tudo de novo.
Na economia, a prioridade é a questão fiscal, com
arrecadação baixa, gastos altos e a pressão política para Temer pagar suas
dívidas pelo enterro da denúncia da PGR e fazer novos empenhos para aprovar a
reforma a Previdência. Os riscos são o recuo no fim do imposto sindical, o
esfarelamento da reforma e a votação de uma nova meta fiscal para 2017 e,
talvez, de um novo teto de gastos para os anos seguintes.
Para amenizar o clima com as centrais sindicais, que
miram na reforma trabalhista para derrubar o fim do imposto sindical, Temer e
sua área técnica se preparam para apresentar uma fórmula intermediária.
Leia-se: o imposto acabou, mas pode ressuscitar em função de interesses
políticos. Resta saber o que a opinião pública acha disso.
E, para atrair votos do Congresso, a área política
defende um enxugamento na reforma da Previdência, que ficaria restrita a uma
nova idade mínima para aposentadoria e o fim de privilégios do funcionalismo.
Leia-se: viraria um remendo, até que o futuro presidente faça o que tem de ser
feito para evitar o colapso do sistema. Resta saber o que os agentes econômicos
acham do recuo.
Parte inferior do formulário
De qualquer forma, Temer mantém a prioridade para a
reforma da Previdência, como enfatizou em reunião no domingo com ministros e os
presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira. Maia
reiterou que a votação será difícil e que os votos dos tucanos são
fundamentais, mas, ontem, admitiu levar o projeto ao plenário em setembro.
Será?
Apesar de versões públicas de que não estão nem aí para o
PSDB, é óbvio que Temer e seus ministros políticos e econômicos sabem o quanto
o partido é importante para as decisões econômicas. Não só na reforma da
Previdência, mas também na eventual revisão da meta fiscal e do teto de gastos.
Tanto é assim que Temer foi ontem a São Paulo participar
de solenidade com o prefeito João Doria. Com Aécio Neves muito ocupado com as
acusações conta ele, Tasso Jereissati liderando a oposição ao Planalto e
Geraldo Alckmin articulando contra nos bastidores, quem sobra? Doria, mais
cauteloso diante do governo Temer.
Enquanto Temer arma o jogo para as votações fundamentais
na economia, há preocupação com as flechadas do procurador Rodrigo Janot nesses
40 dias até passar o bambu para Raquel Dodge. Como é improvável que ele tenha
algo mais forte do que a gravação de Joesley Batista com Temer e os vídeos da
mala de dinheiro do ex-assessor Rocha Loures, fica a dúvida: as ameaças de
Janot são só guerra de nervos, ou ele tem mesmo bambu contra Temer?
Enquanto a resposta não vem, a guerra entre Janot e o
ministro Gilmar Mendes, do Supremo, entrou no vale-tudo: flechadas, tiroteios,
acusações e insinuações. Como é uma guerra de procurador contra procurador
(Gilmar vem do MPF), confirma que a PGR está bastante dividida, além de
enfrentar uma contestação atrás da outra da PF contra as delações
hiperpremiadas.
Então, Brasília parece viver uma calmaria na política,
mas é só na superfície. Na realidade, o pós-denúncia de Temer é de muitas
interrogações quanto à economia, aos tucanos, às bombas contra Temer e seus
ministros. Aliás, mesmo quando Janot sair, a PGR não vai parar. Raquel Dodge
pode surpreender aqueles que estão sonhando com sombra e água fresca depois de
17 de setembro.
*Publicado no Portal Estadão em 08/08/2017