Ditadura consolidada*
Depois de destruírem a economia da Venezuela com o
aprofundamento
do “socialismo do século 21”, os chavistas sabem que sua
permanência no poder só é possível na ausência total de democracia
A Venezuela é uma ditadura há bastante tempo, desde que o
caudilho Hugo Chávez e seu sucessor, Nicolás Maduro, colocaram a “revolução
bolivariana” acima de qualquer outra consideração. Uma a uma, as instituições
que se prestavam a dar um verniz democrático a esse regime autoritário foram
sendo incorporadas à máquina chavista. A imprensa livre foi sufocada e o
Judiciário se viu transformado em serviçal do governo, enquanto a população
passou a ser aterrorizada pelos “coletivos” paramilitares chavistas. Restava a
Assembleia Nacional, dominada pela oposição, mas anteontem esse último bastião
caiu. Foi substituído por uma “assembleia constituinte” totalmente chavista,
cujo objetivo é reescrever a Constituição para nela fazer constar a
perpetuidade do regime – e quem se opuser a isso terá de enfrentar a furiosa
repressão do governo, conforme mostram os cerca de 120 mortos nos últimos
quatro meses, 10 somente no dia da eleição da tal “assembleia”.
Para que não restem dúvidas sobre o caráter dessa
“assembleia”, o presidente Maduro, já no dia seguinte à farsa que a elegeu,
começou a dar ordens aos deputados “constituintes”. Disse que “acabou a
sabotagem da Assembleia Nacional” e que “é preciso pôr ordem” e que “é preciso
acabar com a imunidade parlamentar” dos deputados da oposição. Além disso,
disse que a nova “assembleia constituinte” precisa “reestruturar de imediato” a
Procuradoria-Geral da República, “tomando seu comando para que haja justiça”.
Nos últimos tempos, um dos principais focos de dissidência tem sido a procuradora-geral
Luisa Ortega Díaz, uma chavista que não se cansa de denunciar os desmandos de
Maduro.
O comparecimento às urnas para escolher os
“constituintes”, entre candidatos que eram todos governistas, foi escasso. O
governo garante que participaram cerca de 8 milhões de eleitores, ou 41% do
total, mas, como todos os números oficiais, este também é no mínimo duvidoso. A
oposição fala em menos de 3 milhões de votos, e os relatos da imprensa dão
conta da altíssima abstenção – pesquisas recentes indicavam que 70% dos
venezuelanos eram contra a convocação da “constituinte”.
Essa evidente falta de legitimidade da “assembleia”
certamente não impedirá que os chavistas a usem para revestir de legalidade as
decisões ditatoriais de Maduro. O número dois do regime, Diosdado Cabello,
eleito “constituinte”, informou que a “assembleia” tem “poderes
plenipotenciários, isto é, pode substituir a Assembleia Nacional e pode assumir
suas funções”.
Assim, acredita na “democracia” venezuelana quem quer, ou
quem deseja ardentemente reproduzir o modelo chavista, como a presidente do PT,
Gleisi Hoffmann, que, em nome do partido, manifestou solidariedade
incondicional a Nicolás Maduro e apoio à farsa da “constituinte”. Em artigo
publicado na Folha de S.Paulo, Gleisi escreve que a Venezuela é um exemplo
para o Brasil. Enquanto Maduro “convoca o povo para decidir sobre seu próprio
futuro”, o Brasil assiste “a democracia ruir após golpes parlamentares ou
judiciais patrocinados pela união entre as elites econômicas e os partidos conservadores”.
Não é o que pensam os milhares de venezuelanos que fugiram da miséria, da
violência e do autoritarismo em seu país e procuraram refúgio no Brasil.
Também não é o que pensa a maioria absoluta dos
venezuelanos que manifestaram repúdio às manobras chavistas para consolidar sua
ditadura. Em nota, o Itamaraty “insta as autoridades venezuelanas a suspenderem
a instalação da assembleia constituinte”. Para o governo brasileiro, a
iniciativa de Maduro “confirma a ruptura da ordem constitucional na Venezuela”.
Depois de destruírem a economia da Venezuela com o
aprofundamento do “socialismo do século 21”, que trouxe a fome a um dos
principais produtores de petróleo do mundo, os chavistas sabem que sua
permanência no poder só é possível na ausência total de democracia. Urge que a
comunidade internacional, especialmente na América Latina, deixe claro que isso
é intolerável.
*Publicado no Portal Estadão em 01/08/2017