Dívida piora com a Previdência*
Parlamentares deveriam levar a sério a advertência de
que,
sem reformas, 100% do PIB mal dará para cobrir a
dívida pública entre 2021
e 2022
Toda a produção brasileira de um ano mal dará para cobrir
a dívida pública dentro de quatro ou cinco anos, se a pauta de reformas já em
tramitação no Congresso for negligenciada. Deputados e senadores deveriam levar
muito a sério essa advertência, formulada por um serviço de assessoria do
Senado, a Instituição Fiscal Independente (IFI). Com baixo crescimento
econômico e sem reformas, a dívida bruta chegará ao patamar de 100% do Produto
Interno Bruto (PIB) entre 2021 e 2022, segundo o Relatório de Acompanhamento
Fiscal publicado pela entidade. Se a política for conduzida com o mínimo
indispensável de prudência, o endividamento do setor público deverá crescer até
92,4% do PIB nos próximos anos e entrar em queda a partir de 2023. Para avaliar
o risco é bom observar os padrões internacionais. Alguns governos do mundo rico
devem bem mais que o brasileiro, mas por vários motivos têm mais crédito e
conseguem rolar seus compromissos com juros muito baixos, até negativos, em
alguns casos. Na média dos emergentes, essa relação é inferior a 50%.
Em maio, a dívida bruta do governo geral chegou a 72,5%
do PIB, pelo critério seguido em Brasília. Pelo critério do Fundo Monetário
Internacional (FMI), já bateu em 78,3% no ano passado e deve superar 80% neste
ano. No Brasil, os cálculos oficiais descontam os títulos do Tesouro mantidos
na carteira do Banco Central (BC). Isso explica a diferença. Pelo padrão do
FMI, a média da relação dívida/PIB das economias emergentes e de renda média
deve chegar a 48,6% neste ano. A estimativa para o caso brasileiro aponta
81,2%.
O relatório da IFI chama a atenção para a dificuldade
crescente de cortar gastos públicos no Brasil. A margem é cada vez mais
estreita e em pouco tempo será preciso podar despesas obrigatórias, além de
reduzir severamente programas opcionais, mas muito importantes para o
desenvolvimento econômico e para o bem-estar dos brasileiros.
O baixo crescimento ainda complica a administração das
finanças públicas, porque limita a geração de impostos e contribuições. A
administração federal já podou despesas previstas no Orçamento, mas, apesar
disso, o governo central dificilmente fechará o ano com o déficit primário,
isto é, sem a conta de juros, dentro do limite de R$ 139 bilhões. A projeção da
IFI indica um buraco de R$ 144,1 bilhões. Mas o saldo geral do setor público
ainda poderá ficar em R$ 142,9 bilhões de déficit, dentro da meta de R$ 143,1
bilhões, graças ao desempenho dos governos estaduais e municipais.
É obviamente insatisfatório depender de Estados e
municípios para obter um resultado pouco melhor que um rombo primário muito
grande. Também é ruim depender de receitas extraordinárias, como aquelas
proporcionadas por privatizações e concessões, para alcançar o objetivo fiscal.
Só uma política baseada na arrecadação normal e rotineira e num esquema
racional de despesas pode conduzir a um ajuste efetivo e sustentável das
finanças públicas.
A reforma da Previdência é uma das medidas necessárias
para a racionalização da despesa. Isso tem sido mostrado a cada balanço mensal
das contas públicas. Esse fato foi ressaltado mais uma vez no relatório de
acompanhamento publicado pela IFI. O avanço do déficit previdenciário continua
refletindo, segundo a análise, o descompasso entre despesas e receitas, com
expansão de 5,1% e recuo de 2,5%, respectivamente, na comparação dos números de
janeiro a maio deste ano com os de 2016. A inflação está descontada desses
cálculos. Em 12 meses o déficit previdenciário chegou a R$ 164,8 bilhões,
enquanto o Tesouro e o Banco Central, juntos, acumularam superávit de R$ 10,1
bilhões. Não se trata de problema apenas conjuntural: o desarranjo da
Previdência vem de longe e tende a agravar-se, com ou sem crescimento
econômico.
A mensagem é clara, fundada em boa informação,
tecnicamente bem elaborada, e parte de uma entidade vinculada ao Senado. Nenhum
parlamentar pode ignorá-la sem dar uma demonstração inequívoca de
irresponsabilidade.
*Publicado no Portal Estadão em 11/07/2015