A Lava Jato não está ameaçada*
A Operação Lava Jato teve uma origem modesta em
março de 2014, circunscrita, naquela época, à investigação do
crime de lavagem de dinheiro praticado por organizações criminosas
lideradas por doleiros com atuação no Paraná. À medida que as
investigações locais avançavam, um esquema de corrupção sem
precedentes na história recente do País foi se descortinando diante
de uma sociedade cada vez mais perplexa com a extensão da rede
criminosa que foi lançada por algumas das mais altas autoridades da
República – mancomunadas com empresários não menos
inescrupulosos – a fim de capturar o Estado brasileiro para servir
como meio de consecução de seus mais torpes desígnios, seja o
enriquecimento ilícito, seja a subversão do processo democrático
pela manutenção fraudulenta de um projeto de poder.
Em três anos de atividade, os resultados
produzidos pela força-tarefa de Curitiba, agora não mais restrita
ao Paraná, mas ampliada para outras unidades da Federação, já são
robustos o bastante para atestar o vigor institucional da Operação
Lava Jato e suas correlatas no âmbito da Polícia Federal (PF) e do
Ministério Público Federal (MPF), tanto por seu ineditismo como por
seu alcance.
Baseado em dados obtidos por meio da Lei de Acesso
à Informação, o Estado analisou 2.325 operações
deflagradas pela PF entre 1.º de janeiro de 2013 e 31 de março
deste ano e constatou que houve, no período, um crescimento de 288%
no número de prisões por corrupção no País.
Em que pesem as eventuais críticas que possam ser
feitas – algumas delas já publicadas neste espaço – à natureza
dessas prisões, aos métodos de investigação, fortemente amparados
pelas chamadas delações premiadas, e à própria atuação de
alguns agentes públicos que parecem tomados por um messianismo capaz
de turvar a observância da lei, é inegável que a Operação Lava
Jato é um marco divisor de nossa história que haverá de legar às
futuras gerações um País melhor do que aquele de três anos atrás.
Tema de discussão recorrente em uma variada gama
de fóruns nos meios sociais, jurídicos, políticos e acadêmicos, a
continuidade da Lava Jato, não apenas como uma operação
específica, mas como uma profunda reformulação da própria
organização política do Estado, é um ponto sem retorno. Tanto é
assim que no próprio seio da chamada sociedade civil já se discute
com desenvoltura a natureza e os problemas dos acordos de colaboração
firmados entre o Ministério Público e os empresários dispostos a
revelar seus crimes em troca de benefícios estatais, alguns, aliás,
bastante controvertidos.
Portanto, para o bem do País e valorização do
importante papel desempenhado pela própria operação, é preciso
virar a página e superar de uma vez por todas a contraproducente e
paralisante cantilena das “ameaças” à Lava Jato. A distorção
chegou a tal ponto que uma mera decisão administrativa, por mais
comezinha que seja, pode ser tomada como um ataque pessoal aos
responsáveis pelo andamento das investigações ou uma manobra
espúria com o fito de travar seu andamento ou impedir a produção
dos resultados almejados. A Lava Jato não está sob ameaça pelas
razões que vêm sendo alardeadas ultimamente.
Se algo, de fato, ameaça a continuidade da
Operação Lava Jato e põe sob risco a produção de seus benfazejos
resultados para a vida institucional do País, não é a substituição
de alguns servidores públicos a ela vinculados, mas o descumprimento
da lei, seja por estes que hoje estão à frente das investigações,
seja por quaisquer outros que porventura lhes sucedam.
Contando com o apoio majoritário da sociedade e a
inarredável observância dos preceitos do devido processo legal
pelos agentes públicos encarregados de sua condução, a Lava Jato
tem elementos suficientemente fortes para se converter em importante
estágio de respeito aos contribuintes e de moralidade na gestão da
coisa pública.
*Publicado no Portal Estadão em 03/07/2017