Campeonato no STF*
Supremo tem plenário dividido, ministros nervosos
e
relator sob observação
Eliane Cantanhêde
Ao entrar em recesso na sexta-feira, o Supremo deixou
várias feridas abertas. Elas vão atravessar julho, com a presidente Cármen
Lúcia de plantão, e desembocar em agosto, quando há várias decisões a serem
tomadas por um plenário claramente dividido, turmas que parecem tateando,
ministros com nervos à flor da pele e o relator da Lava Jato, Edson Fachin,
ainda sob observação.
O julgamento da semana passada sobre os limites das
delações premiadas foi uma boa mostra do novo equilíbrio do Supremo, que vai
persistir durante o eventual julgamento do presidente Michel Temer, caso a
Câmara autorize o processo, e as nervosas decisões sobre a Lava Jato, que serão
acompanhadas com lupa – e mau humor – pela sociedade.
O ano no Judiciário começou com a morte, trágica em todos
os sentidos, do ministro Teori Zavascki. Ninguém é insubstituível, mas não
havia nenhum outro Teori, com tantas vantagens, para relatar a Lava Jato. Por
sorteio, caiu no colo de Fachin, que era lembrado pelo voto apaixonado a Dilma
Rousseff em um congresso do PT em 2010, mas não era conhecido nem tão marcado
quanto os colegas mais antigos. Ele, portanto, vem sendo revelado ao longo do
próprio processo.
Fachin e seu gabinete trabalham em sintonia com o
procurador-geral Rodrigo Janot e a PGR, como no inquérito contra o presidente
da República. Janot pediu, ele homologou sem pestanejar e sem ouvir o plenário.
E também suspendeu o mandato parlamentar de Aécio Neves, mais uma vez, sem
consulta aos colegas. De outro lado, tirou cinco processos do juiz Sérgio Moro,
quatro contra Lula e um contra Guido Mantega. Para contrabalançar, quem sabe,
mandou soltar Rodrigo Rocha Loures.
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No julgamento sobre a revisão das delações, Fachin foi
socorrido pelo novato Alexandre de Moraes, que soprou a saída para o impasse e
a brecha para que os acordos de delação não sejam “petrificados”. Agora, o
relator entra em uma fase crucial: enquanto Janot apressa as providências
contra Temer, Raquel Dodge entra em cena. Respeitados na categoria, ambos têm o
firme propósito de combater a corrupção, mas ele é, digamos, mais afoito; ela,
mais cuidadosa. E, se Janot era próximo de Fachin, Dodge não é. Para Temer,
essa pode ser uma boa notícia.
A troca na PGR, porém, não resolve a divisão no STF e
agosto já vai chegar com uma saia-justa, depois que Marco Aurélio, meia hora
antes do início do recesso, surpreendeu Fachin e todo o STF ao desfazer as
decisões do relator da Lava Jato sobre Aécio. Além de se livrar do pedido de
prisão da PGR, o mineiro pode reassumir o mandato, ter de volta o passaporte e
encontrar a irmã Andrea e outros envolvidos.
Marco Aurélio citou o voto popular e a independência
entre os Poderes, mas foi ele quem mandou destituir o então presidente do
Senado, Renan Calheiros, criando uma crise entre Judiciário e Legislativo e
mal-estar entre os colegas. Além disso, soou muito subjetivo o ministro citar a
“carreira elogiável” de Aécio.
A divisão no Supremo parecia caminhar para uma guerra
frontal entre Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, mas isso vem se ampliando a
cada julgamento e há também um claro realinhamento em relação ao mensalão. De
um lado, Fachin, Barroso, Fux e Rosa Weber. De outro, Marco Aurélio, Gilmar e
Lewandowski. Cármen Lúcia e Celso de Mello pairam acima disso. Alexandre de
Moraes e Dias Toffoli tendem a ser pêndulos.
Como na preparação de um campeonato, os times estão se
formando, os jogadores assumindo suas posições, os lados se estudando. O que
está em jogo, porém, não é um troféu nem são os aplausos, mas o equilíbrio
entre o fundamental combate à corrupção que todos queremos e o Estado
democrático de direito que conquistamos a duras penas.
*Publicado no Portal Estadão em 02/07/2017