Dois textos imperdíveis
O domingo, como de resto a sexta e o sábado, amanheceu
carrancudo. Um ventinho, até um pouco frio, nos traz a esperança de que as
nuvens escuras que vejo da janela do meu escritório, levem a chuva para longe.
É uma esperança.
Já que está difícil programar alguma coisa para a rua, o
melhor mesmo é ficar em casa, pensar numa comidinha domingueira e, de quebra,
abrir um bom vinho e deixar que o domingo passe, de preferência sem chuvas.
Para tentar colaborar com todos, vou logo dividindo dois
textos, dois comentários que acho muito importante que todos leiam. Eles falam
sobre a crise, a sucessão e o golpismo enrustido do Diretas Já. Aconselho que leiam os dois!
Tenham todos um Bom Dia!
A falta que um líder faz
Se Congresso armar indulto para ex-presidentes,
sucessor
de Temer vira picadinho
Eliane Cantanhêde
O principal embate na definição de um eventual substituto
de Michel Temer é da “senioridade”, o PSDB, o PMDB e o Senado contra a
“junioridade”, a massa e os partidos médios da Câmara. O ponto em comum é que
todos, do PSDB ao PT, aderiram ao “voto de desconfiança construtivo”, do
Direito alemão, que consagra o que vem sendo dito aqui desde o início da crise
JBS: Temer só cai quando houver um sucessor virtualmente ungido.
Alckmin e Doria lançam Fernando Henrique, o top da
senioridade. FHC e Serra preferem Nelson Jobim, que se finge de morto, mas está
bem vivo. Tasso Jereissati faz o meio de campo, mas, se o ângulo ajudar, chuta
em gol. As conversas entre eles decantam para a base governista e se ampliam em
ondas pelos cafezinhos do Congresso.
É ali que o deputado “júnior” Rodrigo Maia (DEM-RJ)
concentra trunfos. Como presidente da Câmara, já é o segundo na linha
sucessória de Temer, terá o próprio cargo atual para negociar, é um peixe
dentro d’água na Casa que detém a esmagadora maioria dos votos indiretos e nada
de braçada com partidos médios, como o próprio DEM, o PTB, o PP, o PSD... De
quebra, não é de PT, PSDB nem PMDB, o que alivia as resistências.
Num colégio eleitoral de 594 votos, a Câmara tem 513 e
não assimila um senador. Por isso, o Senado, com seus 81, trabalha firmemente a
tese de duas votações: Câmara primeiro e o Senado depois, para homologar. Cola?
Não se sabe, mas Maia mais Eunício Oliveira dá chapa zero. Aliás, todos os
listados têm méritos e deméritos e cada um que puser a cabeça de fora entrará
na linha de fogo.
FHC tem 85 anos e usa marca-passo. Jobim circula no
Judiciário, no Legislativo e no Executivo com igual desenvoltura – e
assertividade –, além de dialogar de FHC a Lula, de militares a militantes, mas
é consultor de advogados da Lava Jato e sócio do BTG. E Tasso, senador e
ex-governador do Ceará, é cardiopata e praticamente um ilustre desconhecido da
Câmara.
Quanto a Rodrigo Maia: longe de ser um intelectual como
FHC, ter a estatura de Jobim e ser um político majoritário como Tasso, ele é
considerado júnior e de horizonte curto: seu mundo é o Congresso, quando a
crise brasileira extrapola em léguas esse limite. A questão é se esses
argumentos afastam os colegas deputados e são suficientes para uma sublevação
no Senado.
Pairando sobre essas considerações, há um fato e dois
personagens chaves. Fato: o governo está por um fio, mas atravessou mais uma
semana, reza para não explodirem mais bombas, gravadores e delatores e avalia
que o derretimento da economia pesa a favor de sua manutenção, não da troca de
comando. E os personagens são Temer e Gilmar Mendes.
Gravemente ferido, Temer é do PMDB e tem a
condescendência dos tucanos, que o descrevem como um professor de Direito
Constitucional que não ostenta riqueza e merece um “tratamento digno”, mesmo na
possível queda. Quanto ao ministro: se a eleição indireta passa pelo PSDB, o
destino de Temer passa por Gilmar, que preside o TSE e foi decisivo para a
nomeação de dois novos ministros, no total de sete. Antes da JBS, dava-se de
barato que Temer escaparia. Agora, o TSE subiu no muro. Inclusive Gilmar, que
prefere observar melhor.
O PT se informa desses movimentos e pode falar, ouvir e
opinar, mas sem votar num colégio indireto, que seria heresia para suas bases.
Mais: onde encaixar Lula, réu seis vezes e suspeito de ter institucionalizado a
corrupção? Aliás, se Suas Excelências querem aproveitar para livrar a cara dos
alvos da Lava Jato e exigir do eleito indiretamente um indulto para todos os ex-presidentes,
eis um aviso: isso explodiria de vez o País. A sociedade e as instituições
fariam picadinho do sucessor de Temer.
Atalhos institucionais
O mais 'popular' desses puxadinhos legais
atende pelo
slogan de 'diretas-já'
Vera Magalhães
Diante da crise generalizada e da falta de saídas fáceis,
vários atores aos quais caberia a responsabilidade de conduzir o País para uma transição
minimamente racional flertam perigosamente com saídas fáceis ou atalhos
institucionais. É o ingrediente que falta para o Brasil descambar de vez para
situações que assistimos num passado recente – ou mesmo hoje – nos nossos
vizinhos de continente.
O mais “popular” desses puxadinhos legais atende pelo
aparentemente libertário slogan de “diretas já!”, como se vivêssemos um período
de hiato democrático e não tivéssemos um ciclo ininterrupto de eleições diretas
a cada dois anos desde a década de 80. Como se a malfadada dupla Dilma Rousseff
& Michel Temer não tivesse sido eleita e reeleita por voto popular.
Diretas em 2017 significa, vejam só, o tal golpe que seus
defensores adoram apontar no impeachment. Seja porque não é o caminho previsto
pela Constituição – esta, vale lembrar, redigida e aprovada por uma
Constituinte eleita diretamente –, seja porque servirá, no atual cenário,
apenas de salvo-conduto para candidatos enrolados com a Justiça e/ou salvadores
da pátria que flertam perigosamente com o desalento com a política.
Por pior que seja ter um presidente eleito por um
Congresso sem respaldo popular e igualmente atingido pelas denúncias de
corrupção, é o que nos resta para hoje. Qualquer um, independentemente da “fé
ideológica” que professe, que tenha um mínimo de compromisso com a legalidade
tem de aceitar este caminho caso Michel Temer caia, o que parece cada dia mais
provável.
O segundo jeitinho brasileiro para problemas graves vem
na forma da utilização do julgamento da chapa Dilma-Temer para abreviar o
calvário do País com o presidente que se recusa a aceitar a hipótese de
renúncia. Esta ação diz respeito à campanha de 2014. Deveria ser redundante
dizer que as ilegalidades – e elas foram muitas – cometidas para reeleger a
malfadada dupla não valem para retirar o ex-vice por eventuais crimes cometidos
em março de 2017.
Mas no Brasil da gambiarra esta saída é vista como a mais
“indolor”. Pode não doer agora, mas abre uma avenida para que se subvertam as
leis para resolver nós que são antes de tudo políticos. É claro que, se o
caminho acordado pelos caciques for este, vai-se tentar dar um verniz de
normalidade e dizer que apenas foi cumprida a jurisprudência do TSE que manda
responsabilizar a chapa toda em caso de irregularidade. Mas todo mundo que
acompanhou esse tortuoso julgamento que se arrasta há dois anos, sabe que, há
duas semanas, a tendência era justamente a oposta: responsabilizar Dilma.
Por fim, no Brasil das jabuticabas institucionais, tem-se
evidências de sobra de que o Ministério Público Federal foi, no mínimo,
condescendente ao oferecer um acordo de delação premiada nunca antes visto aos
irmãos Batista e demais colaboradores da JBS. Nada, nem a tal ação controlada,
justifica a benevolência.
Ademais, o fato de um dos braços direitos de Rodrigo
Janot, que até outro dia estava à frente da condução das delações da Lava Jato,
atuar no escritório de advocacia que negocia a leniência do grupo é outra
dessas aberrações que só ocorrem no Brasil. Que não venham os representantes da
banca e os antigos colegas de Marcelo Miller dizer que ele não atuou na
delação. Só essa nítida incompatibilidade já seria razão para anular o acordo
em um País sério.
Ou se excluem das graves decisões que o Brasil tem pela
frente todos esses exotismos institucionais ou não haverá saída virtuosa, com
ou sem Lava Jato. O caminho legal pode ser mais longo e tortuoso, mas é o único
possível para um País que almeje a civilização e a democracia.
*Os comentários estão publicados no Portal Estadão, edição de 28/05/2017