Faz que vai, mas não vai*
Quanto mais os políticos esperneiam contra a Lava Jato,
mais são obrigados a recuar
Eliane Cantanhêde
Quanto mais o Congresso tenta avançar contra a Lava Jato
e a favor da impunidade, mais é obrigado a recuar, pela pressão dos órgãos de
investigação e daquele ator político que, a partir de junho de 2013 e da
valorização das redes sociais, está cada dia mais forte: a opinião pública
brasileira, ou seja, o senhor, a senhora, você. Foram ao menos cinco recuos
históricos, e estridentes, nos últimos meses.
Dois deles, na quarta-feira. No Senado, o ex-ministro e
atual líder do governo, Romero Jucá, lançou uma proposta para blindar os
presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo e, horas depois, teve de recuar.
Na Câmara, o plenário incluiu familiares de políticos na nova rodada de
repatriação de recursos não declarados no exterior, na chamada “Lei Cláudia
Cruz”, e teve de voltar atrás, também horas depois, numa segunda votação.
E por que senadores e deputados tiveram de dar o dito
pelo não dito, o votado pelo não votado? Simples. Porque a gritaria foi
ensurdecedora. A lei da repatriação é para perdoar de certa forma a sonegação
fiscal e engordar os cofres da Receita. Mas a suspeita, no caso dos políticos,
é de que muitos deles cometeram crimes muito mais graves do que sonegação –
como corrupção, por exemplo – e usaram contas de mulheres, filhos e irmãos no
exterior para esconder enriquecimento ilícito.
Ontem, novo revés. Depois de uma liminar de novembro do
STF, o Senado devolveu para a Câmara uma batata quente: o projeto que deveria
ser de dez medidas contra a corrupção e virou um monstrengo para garantir a
impunidade dos políticos. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ficou desolado:
“Como faço agora?”. Boa pergunta. Que tal ressuscitar as dez medidas do MP, que
tiveram mais de dois milhões de assinaturas?
Outra surpresa desagradável foi a recente votação de
urgência para um projeto retirando o poder da Justiça Eleitoral de impor
sanções para partidos que descumprirem a lei e não tiverem suas contas
aprovadas. Na prática, seria acabar com qualquer responsabilidade partidária.
Uma festa! A opinião pública deu um pulo, a Justiça chiou. O resultado é que a
urgência não valeu e o projeto está trancado a sete chaves na Câmara, gritando:
“Esqueçam que eu existi!”
O quinto recuo é também inacreditável: foi depois da
votação, na calada da noite, de um projeto que simplesmente anistiava o caixa
dois de campanha, hoje tipificado como crime eleitoral. Foi uma iniciativa
muito polêmica e com uma peculiaridade: sem pai, sem mãe, sem autoria assumida.
Ninguém teve coragem para tanto. Sendo assim, subiu no telhado e de lá não saiu
até hoje.
É assim que o Brasil vive um círculo vicioso – ou
virtuoso? A Lava Jato avança, o Congresso reage com ideias mirabolantes, a
sociedade resiste a elas por voz, palavras e gestos e no final os políticos são
obrigados a engolir em seco e voltar atrás. Algo parecido com o que ocorre após
a morte do ministro Teori Zavascki: quanto mais os citados e envolvidos na Lava
Jato imaginam que “o pior passou”, mais o Supremo e a força-tarefa dão sinais
de que eles estão redondamente enganados.
Aliás, o PMDB e o Senado tiveram a audácia de eleger o
senador investigado Edison Lobão para presidir a Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ), que vai, por exemplo, sabatinar Alexandre de Moraes para
ministro do Supremo. Pois não é que o filho dele, Márcio Lobão, acaba de sofrer
busca e apreensão na Operação Leviatã? Deve ter sido só coincidência...
Aqui, não! O governo pretende transformar a Embratur em
agência de promoção do turismo no exterior, com o nome de Abratur e
financiamento do Sistema S do Sebrae. Só faltou combinar com o adversário. O
Sebrae não está nem um pouco interessado.
*Publicado no Portal Estadão em 17/02/2017