Desde criancinhas*
Eliane Cantanhêde
Bastou o governador Geraldo Alckmin (PSDB) botar a cabeça
de fora na sucessão presidencial, como o grande vitorioso das eleições
municipais, para seus dois adversários tucanos não só se mexerem, mas até se
reaproximarem. Sim, senhores e senhoras, o senador Aécio Neves e o ministro
José Serra andam no maior tititi e com um discurso comum: eleições municipais
são municipais, eleições presidenciais são presidenciais, e uma coisa não tem
nada a ver com a outra. Certamente, Alckmin discorda.
Presidente nacional do PSDB e “dono” da máquina
partidária, Aécio foi solidário com Serra e até se ofereceu para soltar uma
nota do partido para defendê-lo quando requentaram a informação de que a
campanha dele recebeu doações da Odebrecht no exterior. Conversa daqui,
conversa dali, ambos concluíram que tal nota teria efeito bumerangue, chamando
atenção para a delação e voltando-se contra Serra. Mas abriu-se o canal.
Os contatos continuaram, os dois têm se falado por
telefone com frequência e vão se encontrar amanhã em São Paulo para botar o
papo em dia, deixar as divergências (por ora...) de lado, fazer um balanço das
eleições municipais e discutir posições comuns nas disputas que estão logo aí:
pela presidência da Câmara, pelas lideranças tucanas na Câmara e no Senado e
pela presidência do próprio partido, além de prévias para escolher o nome de
2018.
Na Câmara, encorpa a tese de manter Rodrigo Maia (DEM),
considerado pelo deputado Roberto Freire (PPS) como “o nosso Itamar”, em uma
referência ao ex-presidente Itamar Franco, que chegou ao Planalto pelo destino,
sem grandes pretensões, mas capaz de dialogar à esquerda e à direita e a tocar
o barco com pouca resistência e alguma competência. Quanto mais Centrão, PSDB,
PMDB e a oposições se digladiarem – e se neutralizarem –, mais a opção Maia
cresce.
Mas, lembrando que Aécio e Serra têm mandato no Senado,
enquanto Alckmin fica a distância de Brasília, como governador de São Paulo, os
dois já discutem até um candidato comum para a liderança na Câmara: Marcus
Pestana, de Minas. Ele é tido como o principal articulador de Aécio no
Congresso, mas é economista, vem da juventude católica e tem um passado mais à
esquerda, como Serra. E não é que Serra e Pestana vão conversar na terça-feira?
Na segunda-feira, entre o encontro de Serra com Aécio e o
de Serra com Pestana, Alckmin estará onde mesmo? Em Belo Horizonte de Aécio, em
um dos 20 eventos suprapartidários de lançamento em vários Estados da nova
vacina contra a dengue, um excelente pretexto para que o principal vitorioso
das eleições municipais circule livremente pelo País... em campanha. Na capital
mineira, aliás, Alckmin vai aproveitar para confraternizar com o atual
prefeito, Márcio Lacerda, do PSB. Em São Paulo, o PSB já é “alckmista”. Dizem que
em Minas está começando a ser.
Enquanto isso, Aécio foca o PSDB para manter a tropa
unida – em torno dele, claro – e Serra usa a trincheira do Itamaraty para fazer
a política externa repercutir na interna. Passou o feriado telefonando para os
chanceleres da Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile, pedindo que
venham a Brasília ou enviem alguém com status de ministro para a reunião de
segurança de fronteiras, no dia 16. Então, todo mundo diz que a eleição
municipal não tem nada a ver com a presidencial, mas que mexe com os nervos dos
presidenciáveis lá isso mexe. Só não mexe mais do que a Lava Jato.
Recordar é viver. Como o
ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB) incluiu o presidente Michel Temer e o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre suas testemunhas de defesa, vale
lembrar que isso tem um efeito mais psicológico do que prático. Em 2011, o
coronel Brilhante Ustra chamou como suas testemunhas o ex-presidente José
Sarney e o ex-ministro Jarbas Passarinho. Nenhum dos dois deu as caras e ficou
por isso mesmo.
*Publicado no Portal Estadão em 04/11/2016