Os imorais*
O julgamento da presidente Dilma Rousseff já não tem a
menor importância, em si, para os petistas que a defendem no Senado. Por se
tratar de um processo essencialmente político, as favas já estão para lá de contadas.
Portanto, os senadores do PT estão ali com o único objetivo de encenar a
“paixão de Dilma”: diante das câmeras de documentaristas simpáticos à causa
lulopetista, encarregados de registrar os estertores de Dilma na Presidência,
esses histriões querem converter o julgamento em um dramalhão épico, numa
tentativa de ditar a história deste triste período.
Pode-se imaginar que o roteiro cinematográfico do
“martírio” de Dilma preveja como clímax a presença da presidente no Senado para
se defender, amanhã. Consta que a petista trará uma comitiva de três dezenas de
pessoas, entre as quais vários correligionários que foram seus ministros, que
certamente se comportarão, diante das câmeras, como devotados apóstolos. E há
ainda uma chance de ver Lula da Silva, a prima-dona da companhia, que planeja
aparecer no Senado para testemunhar o calvário de sua criatura. Como Lula
jamais será coadjuvante, em especial quando contracena com a inexpressiva
Dilma, pode-se deduzir que sua intenção seja roubar a cena – é ele, afinal,
quem julga ter um legado e uma história a defender, ao passo que Dilma, todos
sabem, é apenas um pedaço de sua costela.
Todos esses atores, portanto, estão a desempenhar o papel
que não lhes cabe: o de vítimas. Como Lula e grande elenco jamais admitiram
responsabilidade pelos grosseiros erros dos governos petistas, muito menos pela
corrupção sistêmica que carcomeu o Congresso e a administração pública nos
últimos dez anos, qualquer acusação de roubalheira ou de irresponsabilidade só
pode ser interpretada como campanha anti-PT.
Se o documentário sobre o impeachment de Dilma fizer uso
da técnica do flashback, poderá lembrar que, quando estourou o escândalo do
mensalão, Lula tratou de negar tudo. Confrontado com evidências acachapantes do
esquema de corrupção, Lula chegou a pedir desculpas ao País – para salvar a
pele, como sempre, o chefão petista não titubeou em jogar vários de seus homens
ao mar. Mais tarde, porém, diante do crescente desgaste de seu partido, Lula
tratou de mudar o discurso mais uma vez, dizendo que o PT não era mais corrupto
do que os outros partidos e que seus principais dirigentes estavam sendo alvo
de processos graças a uma perseguição deliberada contra os petistas em geral.
Tudo isso para salvar a pele dos corruptos de outros partidos e aniquilar o
“governo popular” do PT.
É com esse script, reescrito para as circunstâncias, mas
muito bem ensaiado, que os senadores petistas pretendem constranger o Congresso
perante as câmeras. “Qual é a moral deste Senado para julgar a presidenta da
República?”, perguntou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), conspurcando a Casa
para a qual ela mesma foi eleita. O evidente desrespeito à democracia não
passou despercebido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo
Lewandowski, que, na condição de presidente da sessão, admoestou a senadora
quando ela insistiu, numa segunda ocasião, em colocar todos os senadores no
mesmo saco da imoralidade petista. “Não vou admitir esse tipo de frase num
julgamento como esse. Não volte a mencionar essa expressão”, disse Lewandowski.
Mas Gleisi, que afinal não estava preocupada com nenhum julgamento, e sim com a
construção da “narrativa” para a história, disse que “esta Casa conspirou
contra a presidenta Dilma”.
Eis então que representantes do partido que protagonizou
o mensalão e o petrolão, que tem três tesoureiros enrolados na Justiça, que
teve vários de seus principais dirigentes processados e presos e cujo grande
líder, Lula, acaba de ser indiciado pela Polícia Federal sob a acusação de
corrupção, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica julgam-se à vontade para
questionar a moral dos demais parlamentares.
Tudo tem um propósito claro: se todos são imorais, então
ninguém é – e se apenas os petistas são condenados, então isso só pode ser
“golpe”. É muito bom que tudo isso esteja sendo registrado em filme – que
servirá como precioso documento da incansável vocação dos petistas para fraudar
a realidade.
*Publicado no portal estadão.com em 28/08/2016