A lei dos botocudos
O governo da presidente Dilma
Rousseff está empenhado em criar um novo conceito de justiça. Esse esforço faz
sentido, porque, a prevalecer o conceito tradicional – aquele que define
justiça como sendo a conformidade com o direito, expresso na forma das leis e
do respeito à democracia –, Dilma e todos aqueles que, em sua administração ou
em seu partido, participaram da ruína moral, política e econômica do País têm
de ser severamente punidos. Logo, para escapar desse julgamento, a presidente e
a tigrada não têm medido esforços para convencer os brasileiros de que
criminosos não são os que pedalaram as contas públicas, ou os que roubaram a
Petrobrás, ou ainda os que ameaçam arregimentar militantes e partir para a
violência em nome do governo. Nada disso. Criminosos, segundo a lógica vigente
no Palácio do Planalto, são os outros – os que apoiam o impeachment. Sobre
estes, conforme defendeu recentemente de maneira quase explícita o ministro da
Justiça, Eugênio Aragão, deve recair o peso da mais primitiva das as leis – a
lei da selva.
Aragão expressou essa peculiar noção
de justiça quando comentou a ameaça feita por um líder dos sem-terra de partir
para a ocupação de propriedades rurais pertencentes a parlamentares que votarem
pelo impeachment. Tal incitação ao crime foi feita diante da presidente, em
pleno Palácio do Planalto, no que já se torna temerária rotina. Desde o ano
passado, Dilma tem permitido que baderneiros de variadas espécies tentem
intimidar a oposição – como quando um dirigente da CUT, também diante dela,
anunciou que os sindicalistas sairiam às ruas “entrincheirados, com armas na
mão, se tentarem derrubar a presidente”.
Casos como esses se enquadram
claramente na categoria de violação da ordem jurídica, dos direitos políticos e
das garantias constitucionais – ou seja, tudo aquilo que cabe ao ministro da
Justiça defender, conforme está expresso no Decreto 8.668, que regula sua área
de competência. Mas o ministro Aragão pensa diferente.
Para ele, os marginais que ameaçam
partir para a violência contra os defensores do impeachment não cometem nenhum
crime, pois se trata de uma “reação de quem está acuado”, e essa reação “tem
intensidade proporcional” à suposta ofensa. Segundo Aragão, “está em andamento
uma tentativa de desestabilização do governo” por parte de quem não se conforma
com a derrota nas eleições e com “nossa qualidade de governança”. Por isso,
prosseguiu o ministro, “é evidente que os setores que mais ganharam nas
conquistas sociais com esse governo” se prontificam a “mostrar o seu lado, sua insatisfação”.
Para Aragão, a incitação à violência
“não é um discurso produtivo”, mas o ministro consegue ver justificativa,
inclusive científica, onde há apenas crime: “Agora, é claro que existem pessoas
que estão acuadas e pessoas que estão acuando. Então nós temos que sempre levar
em consideração que aí prevalece aquela velha Lei de Newton: a toda ação
corresponde uma reação em igual intensidade e em sentido oposto”.
Logo se vê que o ministro da Justiça
de Dilma não é bom nem com as leis da física nem com as leis do País. E não é
de hoje. Logo que assumiu o cargo, Aragão anunciou que trocaria toda a equipe
de investigadores da Polícia Federal na Lava Jato caso sentisse apenas o
“cheiro” de que houve algum vazamento de informações para a imprensa: “Eu não preciso
ter prova”.
Aragão, no entanto, é apenas um
sintoma. Homem com tais ideias e comportamento só cabe no Ministério quando, no
governo e no PT, impera o desespero, restando-lhes procurar de todas as formas
sabotar os esforços da sociedade para que a corrupção e a gestão irresponsável
do País sejam exemplarmente punidas. Aragão não chegou ao Ministério da Justiça
por seus méritos – que algum, afinal de contas, ele deve ter –, mas porque,
conforme já deixou claro em suas declarações e atitudes, era preciso que lá
fosse colocado alguém disposto a usar as prerrogativas do cargo não para
defender o Estado de Direito, e sim para justificar a violência contra os que
ousam expor as mazelas do governo petista. Tudo isso devemos ao patriotismo da
presidente.
* Publicado no Estadão.com em 10/04/2016/