sábado, 19 de dezembro de 2015

Opinião

Dilma assume a Fazenda e nomeia Barbosa

A razão pela qual Joaquim Levy foi um dos mais fracos ministros da Fazenda dos últimos 25 anos ficou explícita ontem, na confirmação da sua troca por Nelson Barbosa, ministro do Planejamento. Além de não ter sido qualquer surpresa — pelo perfil de Barbosa, próximo ao PT —, a mudança confirma que a presidente Dilma Rousseff é o verdadeiro ministro da Fazenda, o que implica nova dose de riscos para o país e mais preocupações com o futuro, já muito nebuloso, da economia.

Levy, na realidade, jamais pôde exercer na plenitude o cargo. O que reforça, entre várias análises sobre este primeiro ano de Dilma II, a de que a presidente aceitou colocar na Fazenda alguém como Levy — conhecido organizador de finanças públicas e que executou bom trabalho na secretaria do Tesouro, no primeiro mandato de Lula — mais para aquietar mercados, até porque o ministro passara um bom tempo em cargo de direção no Bradesco, do que para fazer as reformas necessárias (da Previdência, do Orçamento etc). Tampouco cortes efetivos no Orçamento, de que Dilma sempre foi contrária.

Ao nomear Barbosa no Planejamento, este, sim, de sua confiança, a presidente repetiu a fórmula, muito usada, de ter na equipe um contraponto ao ministro da Fazenda, para controlá-lo. Foi isso, porém bem mais: Nelson Barbosa ganharia todas as disputas mais importantes que teve com Levy. Não era mesmo para o ministro da Fazenda atuar.

Parece até que se tratava de uma farsa. Mesmo quando, anunciada ainda no final do governo Dilma I — movimento feito para se contrapor à velocidade da deterioração do ambiente econômico —, a dupla estabeleceu metas de superávits primários. Pelo menos Levy não tinha ideia dos bilhões das pedaladas camuflados pela “contabilidade criativa” exercitada pelo secretário do Tesouro Arno Augustin, com o conhecimento do ministro da Fazenda Guido Mantega, e sob as bênçãos de Dilma. Já a virtual condutora da política econômica.

À medida que os esqueletos fiscais eram exumados, seria necessário fazer cortes mais fundos. Nada aconteceu, porque Dilma não aceitava, e os gastos continuaram e continuam a subir. Como não concordou agora com o tíbio superávit de 0,7% do PIB defendido por Levy para 2016, convertido por ela e Nelson Barbosa em 0,5%, mas que na verdade será zero. E assim, a dívida pública subirá mais degraus, enquanto continuarão a cair as notas de risco do país. Cimenta-se a sepultura do Plano Real.

O enorme risco é Dilma dobrar a aposta com a ressurreição, agora às claras, do “novo marco macroeconômico”, aplicado por ela no primeiro mandato, uma política ruinosa da qual Barbosa foi um dos formuladores. Mesmo nesses tempos de feriados, os mercados, na segunda-feira, indicarão o tamanho do pessimismo com o futuro da economia brasileira.

Editorial

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Dilma nas mãos de Renan

O Estado de São Paulo

A quinta-feira passada foi um dia de importantes vitórias para a presidente Dilma Rousseff. O processo de impeachment ganhou novos e sólidos obstáculos no Supremo Tribunal Federal e no Congresso. Além disso, o PMDB rachou de vez, exatamente como Dilma queria, fragilizando o grupo do vice-presidente Michel Temer, herdeiro de seu cargo em caso de impeachment.

Acuada por uma imensa crise que expõe a cada dia sua incapacidade de permanecer na Presidência, Dilma deve ter mandado soltar rojões e abrir champanhe para comemorar o raro triunfo. No entanto, sem querer azedar a festa da presidente, é preciso dizer que o único resultado concreto dos acontecimentos da quinta-feira é que a presidente, na prática, se tornou de vez refém do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Alvo de seis inquéritos no âmbito da Lava Jato e com um currículo que inclui uma renúncia à presidência do Senado para escapar da cassação, Renan passou a ser o principal avalista de Dilma no Congresso. É evidente que o senador alagoano tem todo interesse em proteger a presidente, pois espera reciprocidade. Se esse arranjo vai funcionar ou não, é impossível saber, mas há coincidências que ajudam a traçar algumas perspectivas.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está sendo especialmente célere e duro no que diz respeito ao processo contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), reconhecido como o grande desafeto de Dilma no Congresso. Não apenas denunciou o deputado no Supremo, sob acusação de receber propina no caso da Petrobrás, como agora pediu o afastamento de Cunha da presidência da Câmara, argumentando que o parlamentar transformou a Casa em “balcão de negócios” e que usa seu cargo para proteger a “organização criminosa” que integra.

Há evidências mais do que suficientes para considerar que Janot tem razão em todas as suas denúncias, e por esse motivo Cunha não só deveria ter sido afastado de seu cargo há tempos, como certamente já deveria ter perdido o mandato. No entanto, o procurador-geral não tem sido tão diligente quando se trata do caso de Renan Calheiros – que, assim como Cunha, tem contra si carradas de denúncias.

Em delação premiada, devidamente homologada pelo Supremo, o ex-diretor da Área Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró disse que intermediou pagamento de propina para Renan, fruto de desvio de vários contratos da estatal. Versão semelhante foi dada por outro delator, o lobista Fernando Baiano. Além disso, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa disse em delação premiada que Renan recebia uma parte dos contratos da Transpetro, subsidiária da estatal, quando esta era presidida por Sergio Machado – que ocupava o cargo por indicação pessoal do senador alagoano.

Apesar dessas e de outras suspeitas, Janot ainda não ofereceu denúncia contra Renan – e esse delongamento, motivado sabe-se lá por quais razões, tem sido muito conveniente tanto para o senador quanto para Dilma.

Sem ser incomodado pela Justiça, Renan, associado a Dilma e ao ex-presidente Lula, está à vontade para articular o enfraquecimento de Michel Temer, à luz do dia. A presidente, com a ajuda do senador, interferiu pessoalmente na escolha do líder do PMDB na Câmara, atuando em favor do grupo que se opõe a Temer e ao impeachment. Além disso, Renan ajudou a aprovar, no Senado, requerimento para que se investigue se decretos assinados pelo vice no exercício da Presidência ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal. Por fim, Temer está cada vez mais isolado no PMDB e corre o risco de ser afastado da presidência do partido e de se inviabilizar como alternativa a Dilma.

Tudo nesse contubérnio pode parecer muito astuto, mas o fato é que, para se manter na Presidência, Dilma entregou anéis e dedos a Renan Calheiros – a quem cabe dirigir, no Senado, um eventual processo de impeachment. Enquanto o senador não tiver de finalmente prestar contas à Justiça, está nas mãos dele o destino da presidente.

Editorial do jornal O Estado de São Paulo - 19/12/2015