Situação-limite
Eliane Cantanhêde
Apesar das aparências e de fingir
que tudo está na santa paz, a presidente Dilma Rousseff se debate
desesperadamente pela sobrevivência, dá tudo o que o guloso PMDB exige e está
chegando a hora em que será obrigada a se definir entre o ministro Joaquim Levy
e os lulistas que mandam no PT, na Fundação Perseu Abramo, na CUT, no MST e na
UNE.
O cerco à presidente está se
fechando, com uma disputa entre os que defendem o impeachment e os que querem
Dilma presidente para transformá-la numa marionete de seus interesses ou de
suas convicções. Com o PIB receoso de bater de frente com o governo, o PMDB
rachado em torno de mais carguinhos e o PSDB cheio de dedos, a oposição é
insuficiente para garantir o impeachment. Mas o “baixo clero” do PMDB invade o
governo, enquanto os exércitos de Lula se esforçam para subjugar Dilma e
assumir, na prática, o poder.
Os movimentos sociais e intelectuais
alinhados com o PT estão, estridentemente, despudoradamente, com Lula e contra
Dilma. E estão empurrando Joaquim Levy porta afora do governo com a mesma
intensidade com que o próprio Levy decidiu parar de engolir sapos calado e
sinaliza que, se é para sair da Fazenda, ele sai, mas não vai capitular da sua
política econômica nem dos seus princípios.
É uma situação limite, dramática,
resultado de um processo, ou de uma ambiguidade, que vem desde que as cortinas
do teatro eleitoral caíram e a realidade emergiu ameaçadora, como previa a
economista Sinara Polycarpo, aquela analista que foi demitida do Santander
depois que Lula chiou. Enquanto ela ganha na Justiça, a realidade castiga o
crescimento do país, os investimentos, a inflação, o câmbio e, obviamente, os
empregos e os avanços sociais.
Assim chegamos ao décimo mês do
governo com uma guerra aberta entre duas visões de mundo e de como retomar o
crescimento, ambas bem representadas nos gabinetes de Brasília. De um lado, os
que consideram danosa a política econômica do primeiro mandato e se batem pela
volta da responsabilidade fiscal e do pragmatismo. De outro, os que têm saudade
daqueles anos e se esgoelam pela volta do crédito fácil, da gastança e do
populismo.
Nesse ambiente, os economistas
lulistas da Fundação Perseu Abramo lançam um grito de guerra contra o ajuste de
Dilma2-Levy1, que, segundo eles, “acarreta a desconstrução do modelo
socialmente inclusivo implantado nos últimos anos”. “Últimos anos”, entenda-se,
é um eufemismo óbvio para “governo Lula”.
Esse diagnóstico desconsidera fatores
fundamentais, como a mudança do cenário e dos ventos favoráveis, a urgência da
questão fiscal para a salvação da lavoura e o fato cristalino de que jogar a
política de Levy no lixo e voltar ao primeiro mandato de Dilma seria aprofundar
o desastre, afugentar de vez os investidores, inibir definitivamente a produção
e...jogar o ônus no lombo dos mais vulneráveis. Nada poderia ser menos
“socialmente inclusivo”.
Ao discursar ontem na entrega de
troféus da primeira edição do Estadão Empresas Mais, Levy reagiu à turma do
Lula. Disse que “a realidade se impõe, acima de ambiguidades políticas”,
criticou “a procura por soluções fáceis” e avisou que o governo faz o que
considera necessário, “apesar de todo o ruído”. Para ele, a prioridade é a
questão fiscal, “maior fonte de incertezas para todo mundo”. Só então será
possível recuperar o crédito e traçar as reformas estruturais. Ou seja: é
preciso fechar as contas, com corte de gastos e aumento de receita, para então
pôr a casa em ordem.
Significa que Levy comprou a guerra e
entrou no tudo ou nada. Resta saber o que fará a chefe dele, que parece mais ao
vento que biruta de aeroporto e que, aliás, vai se reunir hoje com Lula para
discutir o latifúndio do PMDB no governo, o futuro do mandato e o que ela
pretende fazer com o país. Ai, que medo!
Publicado no Estadão - 30/09/2015