domingo, 22 de fevereiro de 2015

Opinião

A Nação Estarrecida

Lya Luft*

Os extraordinários fatos que nas últimas semanas vêm se desenrolando diante dos nossos olhos estupefatos, a série de denúncias logo comprovadas de corrupção em órgãos estatais e partidos políticos, de­ixam-nos alertas: o que fizemos? Como permitimos que tudo isso chegasse a esse ponto — que nos parece quase sem volta —, exigindo terra arrasada para começar a construir, do erro, uma nova nação?

Pode até haver chefes que, em qualquer escalão, não percebam a corrupção entre seus funcionários, se for um breve episódio; mas, se se prolongar por um pouco de tempo que seja, denota grave incompetência de parte dos mandantes. Se souberem e fecharem os olhos permitindo que os crimes continuem, porque “afinal no Brasil é assim, sempre foi assim, e assim é por toda parte”, serão pelo menos cúmplices, ainda que não metam a mão pessoalmente no dinheiro (que neste caso se acumula em milhões e bilhões).
Dinheiro que faz uma desesperada falta em todos os aspectos tão carentes do país de que os responsáveis não cuidaram, ocupados em conseguir mais poder.
A roubalheira é ainda mais repulsiva, pois não se trata de roubar o não essencial, mas de tirar do prato dos pobres a comida, o dinheiro do remédio, os livros, mesas e cadeiras da escola, instrumentos e pessoal de hospitais e postos de saúde, possibilidade de tráfego aos caminhões que transportam alimento e bens de consumo, funcionamento ou mera manutenção das imensas engrenagens deste pobre país, que agora podemos chamar de “pobre” nos dois sentidos, material e moral.
Pobres de nós, que não sabíamos porque olhávamos para o outro lado, porque éramos mesmo ignorantes, porque acreditamos nos líderes errados, porque não nos informamos, porque não estávamos nem aí.
O que vai acontecer? Ao que vemos, muito mais denúncias, provas, prisões e — espero — condenações. Como ocupar os lugares de mando vazios? Que seja com gente competente, não com apaniguados e correligionários. Que seja com gente corajosa, disposta a enfrentar desafios que dinheiro nenhum compensa.
Todos de certa forma permitimos que acontecesse o que agora nos horroriza, ao menos a nós que acordamos, ou sempre denunciamos, nós que nos preocupamos tardiamente ou que já havia um bom tempo balançávamos a cabeça prenunciando os dias de hoje. “Virão tempos sombrios”, dizíamos uns aos outros: pois chegaram.
Uma inflação descontrolada, uma população assustada e a cada dia mais empobrecida, endividada e desatendida, autoridades confusas e desnorteadas, algumas tentando salvar o que pode ser salvo e corrigir o que pode ser corrigido, delineiam uma boa temporada de sofrimento para quase todos nós.
Aqueles em que tantos acreditaram nutrem pensamentos delirantes em sua ilha da fantasia, negando a tragédia que ocorre debaixo de seus olhos: pobreza, inflação descontrolada, endividamento em massa, decadência da educação, saúde, moradia, transporte, segurança e dignidade, e — pior de tudo — a morte lenta da confiança. Eles de todos os modos procuram pateticamente negar o verdadeiro drama que nos assola a todos, sem exceção.
A nação estará estarrecida? O título desta coluna reflete o que eu sinto e o que desejaria que todos sentissem. Parte do país finalmente abre os olhos, aponta as orelhas e atina com a realidade dura destes tempos que apenas começam a se revelar incrédulos. Porém, há semanas multidões requebram ao ritmo das músicas de Carnaval — porque afinal ninguém é de ferro.
Não sou contra o Carnaval, mas imagino que, quando elas despertarem para a realidade depois dessas festas, se botassem nariz de palhaço e voltassem às ruas, não para dançar enquanto o Titanic afunda, mas para protestar e exigir, poderiam salvar o que ainda pode ser salvo.
Que os deuses — e técnicos competentes — nos ajudem, e esta nau brasileira não se rompa, não se destroce, mas se equilibre e, ainda que penosamente, suba à tona e retome algum tipo de rota salvadora — antes que se apaguem as últimas luzes desta maltratada pátria.
*Escritora - Artigo publicado na Revista Veja

Opinião

Lula e seus bons amigos

O ESTADO DE S.PAULO
22 Fevereiro 2015 

Conforme foi amplamente noticiado, advogados de empreiteiras sob investigação no escândalo da Petrobrás tentaram obter a interferência política de Luiz Inácio Lula da Silva a favor de seus clientes. Essa informação foi confirmada pelo amigo e sócio do ex-presidente Paulo Okamotto, que preside o Instituto Lula. Por outro lado, a presidente Dilma Rousseff, questionada sobre o episódio pelos jornalistas no Palácio do Planalto, garantiu: "Nós iremos tratar as empresas tentando principalmente considerar que é necessário criar emprego e gerar renda no Brasil. Isso não significa de maneira alguma ser conivente ou apoiar ou impedir qualquer investigação ou qualquer punição a quem quer que seja. Doa a quem doer". A presidente fez ainda uma clara distinção entre as empresas, seus gestores e seus acionistas.

É compreensível que as empreiteiras acusadas de alimentar o propinoduto do petrolão estejam empenhadas em minimizar as consequências da lambança em que se meteram. Mas a consciência cívica do País jamais admitirá que interesses políticos predominem sobre o império da lei. O julgamento do mensalão, em 2012, foi um marco histórico do qual é impossível retroceder sem provocar uma grave fratura institucional. E Dilma Rousseff parece se dar conta disso.

Dessa perspectiva, é essencial que todos os fatos fora da esfera policial e judicial relacionados a esse processo sejam tratados com transparência por autoridades ou figuras públicas. As repercussões políticas negativas das trapalhadas do ministro da Justiça na frustrada tentativa de manter em sigilo a audiência que concedeu a advogados da Odebrecht teriam sido evitadas se tivesse havido transparência, em vez de uma deliberada e, como se viu, inútil omissão na agenda do ministro do nome da empreiteira e do assunto a ser tratado na audiência.

Pois é exatamente diante dessa demanda democraticamente irrecusável - a de agir com transparência quando se trata de assunto de interesse público - que Lula se encontra depois da firme manifestação da presidente da República e de Paulo Okamotto ter feito sua parte e admitido o assédio por parte das empreiteiras. É claro que nenhum empresário procura Okamotto para elogiar seu belo trabalho na presidência do instituto que leva o nome do ex-presidente. Na maior parte dos casos, aliás, Okamotto recebe as pessoas a pedido do próprio Lula. E é de imaginar que, dependendo do assunto a ser tratado, Lula prefira receber com maior discrição, fora de sua base oficial, as pessoas que lhe solicitam "um particular". O ex-presidente é muito bem relacionado nos altos escalões da iniciativa privada, onde cultiva muitos e bons amigos e chega a privar da intimidade de alguns deles.

Por esse motivo conviria ao próprio Lula vir a público para esclarecer como se posiciona diante do assédio de alguns bons amigos cujos interesses estão ameaçados pelo escândalo da estatal petroleira. É claro que semelhante postura contraria frontalmente a prática por ele consagrada de se fechar em copas e fingir-se de morto quando o perigo ronda. E deve-se levar em conta também que, se vier a público para declarar-se indignado com o escândalo e defender a "rigorosa punição de todos os culpados", Lula estará correndo o risco de, como aconteceu no caso do mensalão, ser levado a desdizer-se mais adiante e proclamar que tudo não passou de "uma farsa" que ele próprio, com seus superpoderes, se encarregará de desmontar.

De qualquer modo, o próprio Lula há de convir - especialmente depois das declarações da presidente Dilma Rousseff - que hoje a situação é muito mais complicada e grave do que no caso do mensalão, do qual saiu ileso. E é exatamente a gravidade da situação, principalmente quando considerada do ponto de vista do lulopetismo e de seu projeto de poder, que pode levar a suspeitas de que se tente armar um grande esquema político destinado a tirar do forno o que seria a maior pizza da história da República.

Afinal, muitos dos empreiteiros do País estão sendo levados, uns, ao desespero, e outros, à desesperança pelas provas já colhidas dos delitos que praticaram e pelas ameaças implícitas nas negociações em curso para mais delações premiadas. E a tanto desalento se juntará, dentro de mais alguns dias, o de políticos também corruptos, que serão denunciados no Supremo Tribunal Federal.