A Nação Estarrecida
Lya Luft*
Os
extraordinários fatos que nas últimas semanas vêm se desenrolando diante dos
nossos olhos estupefatos, a série de denúncias logo comprovadas de corrupção em
órgãos estatais e partidos políticos, deixam-nos alertas: o que fizemos? Como
permitimos que tudo isso chegasse a esse ponto — que nos parece quase sem volta
—, exigindo terra arrasada para começar a construir, do erro, uma nova nação?
Pode até haver chefes que, em qualquer
escalão, não percebam a corrupção entre seus funcionários, se for um breve episódio;
mas, se se prolongar por um pouco de tempo que seja, denota grave incompetência
de parte dos mandantes. Se souberem e fecharem os olhos permitindo que os
crimes continuem, porque “afinal no Brasil é assim, sempre foi assim, e assim é
por toda parte”, serão pelo menos cúmplices, ainda que não metam a mão
pessoalmente no dinheiro (que neste caso se acumula em milhões e bilhões).
Dinheiro que faz uma desesperada falta em
todos os aspectos tão carentes do país de que os responsáveis não cuidaram,
ocupados em conseguir mais poder.
A roubalheira é ainda mais repulsiva, pois
não se trata de roubar o não essencial, mas de tirar do prato dos pobres a
comida, o dinheiro do remédio, os livros, mesas e cadeiras da escola,
instrumentos e pessoal de hospitais e postos de saúde, possibilidade de tráfego
aos caminhões que transportam alimento e bens de consumo, funcionamento ou mera
manutenção das imensas engrenagens deste pobre país, que agora podemos chamar
de “pobre” nos dois sentidos, material e moral.
Pobres de nós, que não sabíamos porque
olhávamos para o outro lado, porque éramos mesmo ignorantes, porque acreditamos
nos líderes errados, porque não nos informamos, porque não estávamos nem aí.
O que vai acontecer? Ao que vemos, muito
mais denúncias, provas, prisões e — espero — condenações. Como ocupar os
lugares de mando vazios? Que seja com gente competente, não com apaniguados e
correligionários. Que seja com gente corajosa, disposta a enfrentar desafios
que dinheiro nenhum compensa.
Todos de certa forma permitimos que
acontecesse o que agora nos horroriza, ao menos a nós que acordamos, ou sempre
denunciamos, nós que nos preocupamos tardiamente ou que já havia um bom tempo
balançávamos a cabeça prenunciando os dias de hoje. “Virão tempos sombrios”,
dizíamos uns aos outros: pois chegaram.
Uma inflação descontrolada, uma população
assustada e a cada dia mais empobrecida, endividada e desatendida, autoridades
confusas e desnorteadas, algumas tentando salvar o que pode ser salvo e
corrigir o que pode ser corrigido, delineiam uma boa temporada de sofrimento
para quase todos nós.
Aqueles em que tantos acreditaram nutrem
pensamentos delirantes em sua ilha da fantasia, negando a tragédia que ocorre
debaixo de seus olhos: pobreza, inflação descontrolada, endividamento em massa,
decadência da educação, saúde, moradia, transporte, segurança e dignidade, e —
pior de tudo — a morte lenta da confiança. Eles de todos os modos procuram
pateticamente negar o verdadeiro drama que nos assola a todos, sem exceção.
A nação estará estarrecida? O título desta
coluna reflete o que eu sinto e o que desejaria que todos sentissem. Parte do
país finalmente abre os olhos, aponta as orelhas e atina com a realidade dura
destes tempos que apenas começam a se revelar incrédulos. Porém, há semanas multidões
requebram ao ritmo das músicas de Carnaval — porque afinal ninguém é de ferro.
Não sou contra o Carnaval, mas imagino que,
quando elas despertarem para a realidade depois dessas festas, se botassem
nariz de palhaço e voltassem às ruas, não para dançar enquanto o Titanic
afunda, mas para protestar e exigir, poderiam salvar o que ainda pode ser
salvo.
Que os deuses — e técnicos competentes —
nos ajudem, e esta nau brasileira não se rompa, não se destroce, mas se
equilibre e, ainda que penosamente, suba à tona e retome algum tipo de rota
salvadora — antes que se apaguem as últimas luzes desta maltratada pátria.
*Escritora - Artigo publicado na Revista Veja