A
carta-compromisso de Dilma
O ESTADO DE SÃO
PAULO
04.12.2014
Sem reconhecer os erros do primeiro
mandato nem o fracasso de seu “modelo” desenvolvimentista, a presidente Dilma
Rousseff acaba de prometer um novo
estilo de gestão para os próximos quatro anos – com mais juízo e mais cuidado
com os fundamentos da economia. A promessa foi formulada em carta lida pelo
presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em evento do Banco J.P.Morgan para investidores.
Convidada para a reunião, a presidente preferiu mandar um representante para
ler seu pronunciamento. O objetivo da mensagem é semelhante ao da Carta ao Povo Brasileiro, assinada em 2002 pelo
candidato Luiz Inácio Lula da Silva; conquistar a confiança do mercado. Mas as
circunstâncias são diferentes.
O candidato Lula precisava renovar
sua imagem, mostrar-se moderado e razoável e neutralizar o velho discurso
petista, eliminando o temor de um calote contra os credores da dívida pública e
de uma administração irresponsável. A carta da presidente Dilma Rousseff,
reeleita há pouco mais de um mês, é uma promessa de bom comportamento de quem
já exerceu o poder por quatro anos e criou uma herança maldita para seu segundo
mandato.
O tempo foi curto para a celebração
da vitória eleitoral. Logo foi preciso deixar em segundo plano a retórica de
campanha para cuidar de problemas imediatos e muito graves. Permanecia o risco
de rebaixamento do crédito soberano pelas agências de classificação. As contas
públicas em frangalhos forçavam o governo a pedir ao Congresso a anulação da
meta fiscal de 2014. Tudo apontava para mais um ano, pelo menos, de indicadores
internos e externos muito ruins.
Conquistar confiança seria o primeiro
desafio - passo indispensável para ganhar tempo e estimular o empresariado a
assumir novos riscos e a investir. O lance inicial foi apontar como líder da
equipe econômica um nome respeitado e confiável para o mercado, o economista
Joaquim Levy, indicado para o Ministério da Fazenda.
A carta lida na reunião do J. P.
Morgan reproduz, como compromisso presidencial, a estratégia esboçada na semana
anterior pelos futuros ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente
do Banco Central (BC). O texto vai além, no entanto, da promessa de promover um
ajuste fiscal e de combater com rigor a inflação - e esse detalhe foi
especialmente valorizado pelos analistas.
A nova política, segundo a carta
presidencial, deverá incluir uma importante regra orçamentária. O governo
tentará adequar o ritmo de crescimento do gasto público à taxa de expansão da
economia. É uma regra elementar e só se deveria descumpri-la em situações muito
especiais, quando há evidente insuficiência da demanda agregada. Não há nada
parecido com isso, hoje, nem houve, nos últimos quatro anos, embora o governo
ignorasse ou menosprezasse esse detalhe.
A nova equipe, segundo a carta,
cuidará da "elevação gradual, mas estrutural, do resultado primário da
União, de modo a estabilizar e depois reduzir a dívida bruta do setor público
em relação ao PIB".
Também essa passagem avaliza o
roteiro apontado pelo futuro ministro da Fazenda: o superávit primário deverá
chegar a 1,2% do PIB em 2015 e pelo menos igualar 2% em 2016 e 2017. Uma
novidade importante em relação ao discurso habitual é a referência à dívida
bruta. É esse o indicador mais importante para os formuladores da política, nos
países mais maduros. Mas a retórica dos governantes brasileiros tende a
valorizar a dívida líquida, um conceito, no caso do Brasil, muito duvidoso por
causa da natureza dos créditos contabilizados a favor do Tesouro.
Mas nem tudo na carta indica uma
efetiva mudança de perspectiva. O texto menciona os "efeitos externos do
lento crescimento mundial" e a redução dos preços das commodities. A
situação externa ainda é apontada, numa evidente mistificação, como a grande
fonte de problemas. Além disso, o governo, segundo a presidente, manteve a inflação
"dentro do intervalo estabelecido" - como se a meta fosse qualquer
ponto até 6,5%. A promessa de seriedade é bem-vinda, mas a presidente terá de
provar na prática a sinceridade de sua conversão.