A Esperança contra o ódio
O ESTADO DE S.PAULO
19 Outubro 2014
Na reta final de uma eleição
equilibrada, que vai definir os destinos do País, o mínimo de racionalidade
indispensável a uma escolha criteriosa do próximo presidente da República está
escoando pelo ralo. Para conquistar votos, candidatos devem ser capazes de
falar, sempre honestamente, tanto à razão quanto à emoção dos eleitores. Mas
pelo motivo óbvio de que programas de governo lidam com questões objetivas -
problemas concretos - a emoção não se pode dissociar da razão na hora de se
decidir o voto. Boas causas com dose maior de apelo emocional, como direitos
humanos e justiça social, impõem-se porque são, por definição, racionalmente
justas, não por serem emocionalmente defensáveis - e exigem soluções racionais.
O marketing, porém, tende a subverter
os valores numa campanha eleitoral quando parte do princípio de que os fins
justificam os meios. E essa subversão cresce na medida em que aumenta a falta
de escrúpulos de candidatos e marqueteiros. Todos sabem o que Collor fez contra
Lula na eleição de 1989. Os petistas aprenderam com aquele exemplo e o
resultado é que nunca antes na história deste país, como agora, houve tanta
apelação e baixaria numa eleição presidencial.
O que se viu no "debate" da
quinta-feira no SBT foi deplorável. Por iniciativa de Dilma, o recurso
marqueteiro da "desconstrução" do adversário foi reduzido ao mais
baixo nível da odiosa demolição de caráter com ataques à honra pessoal do
adversário e seus familiares. Não lhe restando opção senão responder à altura,
Aécio teve a habilidosa precaução de pedir desculpas aos telespectadores por
trazer à luz a nomeação do irmão de Dilma, Igor Rousseff, para um cargo, na
Prefeitura de Belo Horizonte, onde recebia sem trabalhar. Faltam ainda dois
"debates"!
Nenhum dos candidatos merece medalha
de bom comportamento pelo que têm feito e dito nas entrevistas, nos palanques,
na propaganda e nos debates. A candidata do PT, no entanto, fiel à convicção
que Lula incutiu na mente da companheirada, de que valores éticos e morais são
preconceitos "pequeno-burgueses", coisa de "udenistas" e de
"babacas", deu carta branca para que seu marqueteiro fizesse "o
diabo". E bota diabo nisso, porque a necessidade é premente.
Os petistas proclamam que têm uma
proposta política "diferenciada", porque voltada para o interesse e
as necessidades da população mais pobre. E por essa razão confrontam as
"elites", que só pensam em dinheiro e em explorar os despossuídos.
São, portanto, os petistas, gente "do bem", enquanto as elites
congregam todos os que são "do mal". E aos paladinos do bem tudo é
permitido.
Dividindo os brasileiros entre
"nós" e "eles", "bons e maus", "ricos e
pobres", inspirada na lógica da luta de classes que ruiu com o Muro de
Berlim, o lulopetismo se proclamou detentor do monopólio da virtude e da
representação dos fracos e oprimidos. Desde que Lula subiu pela primeira vez no
palanque dos metalúrgicos em Vila Euclides, ninguém mais no Brasil tem
legitimidade para falar em nome dos trabalhadores.
O combustível dessa pretensa luta dos
oprimidos contra os opressores comandada pelo PT é o ódio, ardilosamente
insuflado com argumentos essencialmente emocionais. Lula ensina as pessoas a
odiar porque... são odiadas. É, portanto, um ódio do bem, legítima defesa.
Lula sempre se esmerou em disseminar
o ódio. E sempre teve esmerados aprendizes. Provou-o no momento de sua
trajetória política em que vislumbrou pela primeira vez a possibilidade real de
chegar ao poder, em 2002, e por conveniência eleitoreira travestiu-se,
temporariamente, em "Lulinha paz e amor". Durou pouco, até o
mensalão.
As agruras do mundo moderno oferecem
motivos para que as pessoas se tornem cada vez mais agressivas no
relacionamento social cotidiano. É o que se vê nas manifestações de rua, no
trânsito, nos campos de futebol. O PT sabe, portanto, que a semente do ódio tem
campo fértil para vicejar - e, assim, fez um projeto de poder sustentado na
cizânia social.
Lula declarou em junho, quando a
campanha eleitoral começava a esquentar: "Em 2002 lutamos para que a esperança
vencesse o medo. Agora, é preciso que a esperança vença o ódio". Que assim
seja.