Li muitos comentários sobre a entrevista que a presidente Dilma concedeu ao Jornal Nacional. Antes foram entrevistados Aécio Neves e Eduardo Campos. Hoje o Estadão publicou sua OPINIÃO sobre o assunto. É uma leitura que recomendo.
A presidente no sufoco
O ESTADO DE S.PAULO
20 Agosto 2014
Nunca antes nos 3 anos, 7 meses e 18 dias de Dilma
Rousseff no Planalto o público tinha tido a oportunidade de ver o que subordinados
da "gerentona" conhecem por humilhante experiência própria: a chefe à
beira de um ataque de nervos. Com a diferença de que, no seu gabinete, ela se
sente literalmente em casa para descarregar a ira com as presumíveis
dificuldades da equipe em captar o seu pensamento - o que, tendo em vista as
peculiares circunvoluções de sua forma de expressão, se explica plenamente.
"Não há no inferno", escreveu Shakespeare,
"fúria comparável à de uma mulher rejeitada." Ou de uma Dilma
Rousseff contrariada - e sem poder pôr no devido lugar o responsável real ou
imaginário pela afronta. Foi o que a audiência do Jornal Nacional (JN) da
segunda-feira descobriu ao acompanhar a entrevista dos apresentadores William
Bonner e Patrícia Poeta com a candidata à reeleição. Ela foi a terceira a ser
arguida na série de sabatinas de 15 minutos com os principais aspirantes à
Presidência, iniciada com o tucano Aécio Neves, a quem se seguiu o
ex-governador Eduardo Campos, na véspera de sua trágica morte. (Quando a sua
candidatura tiver sido formalizada, também Marina Silva será convidada.)
Por ser presidente, Dilma teve o privilégio de receber os
jornalistas na residência oficial do Alvorada, à frente de estantes de livros
encadernados e cuidadosamente dispostos, sem sinal de manuseio, um cenário
escolhido para denotar solenidade, elevação e a nobreza da função presidencial.
Nada que ver com o ambiente do JN, nos estúdios da Rede Globo, no Rio de
Janeiro, em que os donos da situação, como Aécio e Campos sentiram na pele, são
os âncoras do principal noticioso da TV brasileira, infundindo, nas suas
perguntas, contundência e conhecimento de causa à altura dos seus implacáveis
colegas britânicos - a referência mundial no gênero.
Mas logo na resposta ao primeiro disparo de Bonner sobre
uma das duvidosas distinções do governo - as denúncias de casos de corrupção em
sete ministérios - ficou claro o desamparo da presidente. Faltava-lhe o ponto
no ouvido pelo qual o seu marqueteiro João Santana poderia conduzi-la, se não a
terra firme, ao menos para longe do vórtice. Pior ainda, faltava-lhe o conforto
das gravações irrepreensivelmente produzidas que confeccionam uma imaginária
Dilma estadista. Com o misto de irritação e impaciência que denotaria durante
toda a entrevista, ela desandou a juntar frases e mais frases que tinham em
comum a extensão, a desconexão e a pretensão.
Para mostrar superioridade ética, por exemplo, disse que
os governos petistas não têm um "engavetador-geral da República",
como, segundo a oposição, teria sido o titular do Ministério Público Federal
nos anos Fernando Henrique. E reivindicou, para "nós", a criação da
Controladoria-Geral da União. Na realidade, Lula pouco mais fez do que mudar o
nome do órgão fiscalizador do Executivo (Corregedoria-Geral da União) instituído
pelo tucano em 2001 e fortalecido no ano seguinte com a absorção da Secretaria
Federal de Controle, antes vinculada ao Ministério da Fazenda. Em dado momento,
tentando cortar o interminável palavrório da candidata, o entrevistador recebeu
uma dose de Dilma em estado puro: "Então, continuando o que eu estava
dizendo…".
Fez-se de desentendida quando Bonner lhe perguntou o que
achava de o PT tratar como vítimas os companheiros condenados pelo Supremo
Tribunal Federal no processo do mensalão. Pelo menos três vezes ela repetiu
que, como presidente, "não julgo ações do Supremo", por mais que o
jornalista reiterasse que o objeto da pergunta era a conduta de seu partido,
não o veredicto do Tribunal. A esta altura, Dilma parecia prestes a explodir.
Quando o assunto passou a ser a economia, diante dos números amargos, de
conhecimento público, sobre a inflação e o PIB, saiu-se com um "não sei da
onde que estão (sic) seus dados". O tempo do programa estourou depois de
quatro perguntas apenas e Dilma precisou ser interrompida quando pedia "o
voto dos telespectadores".
Terminado o sufoco, a presidente tomou uma decisão
prudente, embora apequenadora: cancelou a entrevista que daria em seguida à
Globo News.