Cuidado com
o leitor voraz!
César Cabral*
As
palavras são o que são e dizem o que querem. Usá-las bem é que é, muitas vezes,
um grande problema. Eu faço o que posso e nem sempre como devo, mas, sim, do
jeito que aprendi a colocar uma letra depois da outra, formar palavras, frases
e dar sentido a esse modo de expressão.
As
palavras têm formações e significados de acordo com o que explica a etimologia,
como todo mundo sabe, como também a origem delas; as nossas palavras
portuguesas, vêm de muitas outras línguas, sobretudo das latinas, gregas,
árabes. As brasileiras ainda recebem a influência do espanhol e de dialetos
africanos e do tupi guarani.
Mas não é
sobre isso que pretendo escrever. Como já disse, isso todo mundo sabe. Quero tratar
dos modismos e das bobagens que volta e meia alguém resolve usar uma palavra,
ou com sentido torto, ou com sentido estapafúrdio.
Algumas
dessas palavras são verdadeiramente horrorosas tanto pelo som que fazem como
quando escritas. É certo que palavras entram e saem da moda como camisas,
gravatas, sapatos e outras tantas coisas; eu sei! E há os sinônimos que servem
para amenizar, aumentar diminuir, esconder o que se quer dizer na verdade e
também para outras artimanhas que a nossa língua portuguesa permite.
Não fossem
os sinônimos ainda estaríamos usando pundonor, no lugar de decoro, recato; e eu
certamente estaria imaginando significar ser uma recatada e honesta dama mal
cheirosa. Ou, quem sabe, num salão repleto de
elegantes cavalheiros e suas damas a soltarem puns de honra à destacada
figura da sociedade, como se faz com taças de champanhe: tim,tim!
Existem
muitas outras palavras horrorosas que, felizmente saíram de moda; de uso, seria
melhor. Mas hoje temos outras tantas palavras, e até frases inteiras, mais
insuportáveis porque a mídia – como se diz – ajuda a espalhar. Diferenciado
(a), - com sentido de bom, especial, melhor – quando significa estabelecer
diferença, - que pode inclusive ser para pior - pois é o particípio passado do
verbo diferençar. Disponibilizar vem logo a seguir como coisa disponível.
Protocolizá-lo é quase um código, mas é mais “chique” do que protocolar. Está
num site de uma repartição publica: “...deve comparecer a unidade mais próxima
para protocolizá-lo“.
Tem mais:
apequenar. Essa é de uso exclusivo de políticos: “A Câmara não pode
apequenar-se diante do STF!” Mas nenhuma outra é mais pavorosa do que repilo,
que Renan Calheiros repetia com cara de quem é gente descente. Quem ouviu não
esquece jamais!
Um
jornalista que escreve uma coluna social com pitadas de politiquice inventou o
“comboiado”. ”Zé das Couves é candidato a deputado federal “comboiado” pelo
apoio de 18 prefeitos.” Não vou tratar de asneiras como “em situação de rua”,
“em estado de vício”, ”minha casa própria”, “concurseiro”, “assim:” ou “então:”
no início de uma resposta. ”Aí” vagando pelo meio das frases: “Vamos ver,aí,se
dessa vez o congresso, consegue,aí, aprovar mais uma lei, proibindo,aí, todos
os repórteres de rádio e televisão de usarem tanto essa palavra aí.”
Simpatizante
eu sei o que significa; todos nós sabemos. Porém não consigo entender o que faz
um simpatizante de gays e lésbicas, que são condições - e às vezes
comportamentos exacerbados - de seres humanos e não escolha, defeito e menos
ainda uma doença, como quer a igreja e outros trogloditas. Qual será a condição
e o comportamento de um simpatizante do “movimento de gays, lesbicas e
simpatizantes”? O que faz um simpatizante numa festa de gay? Ou de lésbicas?
Mas há uma
frase que me faz sentir um pavor apocalíptico: “leitor voraz” quando querem
dizer que o sujeito lê mais de um livro por mês; que lê muitos livros, que
gosta de ler. Leitor, que poderia ter a ver qualquer coisa com leite, não fosse
o que é, é quem me anima e para quem me dedico; conto sempre com eles.
Entretanto, voraz é o que devora, que come com avidez, que
não se farta, que gasta; destruidor consumidor. Que arruína, que aniquila. Que
engole, traga, afunda, como me explica o dicionário. Penso logo em leões,
jacarés, tiranossauros rex famintos. Matuto se é isso o que querem dizer
“certos colunistas” ao se referirem a quem gosta de ler. Será uma retórica
vesga ou um analogia capenga como as que faz o Lulla, o presidente da
presidenta?
Em função
da 59º Feira do Livro de Porto Alegre, os jornais, quase todos esses dias
entrevistam leitores vorazes. Quando leio isso imagino um monstro peludo, de
unhas compridas pintadas de azul. As orelhas empinadas feitas com orelhas de
livros com algumas letras escorrendo pela carantonha. Os dentes, feitos de
quatro navalhas de corte de aparas de guilhotina gráfica, não mastigam, cortam
os livros em finas tiras; mais fácil para engolir. Os livros de capa dura, o
leitor voraz junta as duas partes com uma das garras de unhas azuis e com a
outra as separa do livro com violento estirão enquanto se houve o partir-se da
linha da costura. E depois de cortadas em pequenos pedaços, as devora como se
fossem biscoitos cream cracker fazendo croc, croc, croc.
Os livros
de formato 14.8 X 21 cm e com até 200 páginas são devorados às dúzias, de cada
vez; com duas ou três mastigadas ele engole em poucos minutos, no mínimo 50
exemplares.
Imaginei a
feira da Praça da Alfândega sendo dizimada em poucos dias por tão somente 12
leitores vorazes. Pior ainda; um só leitor voraz invadindo minha pequena
biblioteca e depois de fartar-se retirar-se satisfeito, lambendo algumas letras
caídas de algumas páginas que ainda havia sobre as prateleiras das estantes.
Numa delas, ainda inclinados, restavam três livros intactos. Menos mal, pensei quase
contente, mas percebi que os livros deixados, intactos, eram os que eu escrevi.
Nem mesmo um leitor voraz teve interesse por eles.
*Jornalista
e escritor