Golpe contra amigo, não pode. A favor de amigo, pode.
Ricardo Noblat
Quer dizer: golpe aplicado por nossos amigos, pode. Aplicado
contra nossos amigos, não.
É o que parece claro a se levar em conta o que aconteceu no
Paraguai em 2012 e o que se prepara para acontecer na Venezuela, esta semana.
Fernando Lugo, ex-bispo, presidente do Paraguai, era amigo do
Brasil. Melhor dizendo: do PT que governa o Brasil há 10 anos.
Todas as forças políticas paraguaias - entre elas o partido do
próprio Lugo - se juntaram para derrubá-lo.
Na Câmara dos Deputados, Lugo perdeu por 73 votos contra 1. No
Senado, 39 a 4.
A Corte Suprema do Paraguai avalizou a derrubada de Lugo. Foi um
"golpe legal".
Lugo teve menos de 48 horas para se defender. Eram pífias as
provas reunidas para tirá-lo do poder.
Os países que formam o Mercosul, Brasil à frente, saíram em
defesa da "ordem democrática". Apoiaram Lugo. E expulsaram o Paraguai
do Mercosul.
A Venezuela entrou no Mercosul aproveitando a vaga que fora do
Paraguai. Não entrara antes porque o Paraguai via com restrições a democracia
praticada na Venezuela.
Irônico, não?
Em dezembro passado, Dilma despachou seu assessor especial Marco
Aurélio Garcia para ir ver o que estava se passando na Venezuela às vésperas da
posse de Chávez para seu quarto mandato presidencial consecutivo de seis anos.
E Marco Aurélio voltou de Cuba, onde Chávez se trata de um câncer
na pélvis, fingindo não ver o golpe que está pronto para ser servido na
Venezuela.
A Constituição venezuelana manda que o presidente eleito assuma o
cargo no dia 10 de janeiro do primeiro ano do seu mandato diante da Assembleia
Nacional ou do Tribunal Superior de Justiça. Do contrário sua vaga será ocupada
pelo presidente da Assembleia, que convocará nova eleição num prazo de 30 dias.
Chávez está em Cuba desde dezembro quando foi operado pela quarta
vez. Para isso a Assembleia Nacional, onde conta com folgada maioria de votos,
concedeu-lhe licença de 90 dias. Licença que poderá ser renovada por mais 90
dias.
Eis a essência do golpe: dá-se Chavez por licenciado do cargo
durante 90 dias. Seu vice governa no lugar dele. Se Chávez não morrer antes do
fim da licença em curso, ganhará outra.
Se não morrer, mas se não puder assumir o cargo ao cabo do
segundo período de licença, aí, sim, haverá nova eleição.
A Constituição não prevê prorrogação do mandato anterior de um
presidente reeleito. Nem por doença nem por nenhum outro motivo. E é de prorrogação
que na verdade se trata.
Se não está na Constituição o que se planeja fazer, é golpe. E
mais escandaloso do que o golpe que despachou Lugo.
Marco Aurélio é um político experimentado. Não lhe recomenda bem sugerir a Dilma
avalizar o que até um simples estagiário de Direito classificaria de "golpe
de mão".
Há menos de um mês, ao perceber que haveria resistência ao golpe
dentro do Superior Tribunal de Justiça, Chavez demitiu de uma só vez seis
ministros.
Sim, Chávez nomeia e demite ministros da mais alta instância da
Justiça. A Constituição reformada em 2008 lhe concedeu tal poder. Assim como
demite e pode nomear seu vice a qualquer momento.
A Igreja Católica venezuelana distribuiu, hoje, comunicado onde
diz considerar "moralmente inconcebível" a manobra esboçada pelos
"chavistas" para driblar o que determina a Constituição.
Caso deseje ser minimamente coerente, o governo brasileiro está
obrigado a tomar posição pública contra o golpe. E se mesmo assim ele
prevalecer, a batalhar para que a Venezuela seja expulsa do Mercosul. Como o
Paraguai foi.
Comentário publicado no Blog do Noblat