Irresponsabilidade generalizada
No quinto dia da greve dos caminhoneiros autônomos, que
levou o caos a todo o País, o presidente Michel Temer finalmente autorizou o
uso das forças militares federais para liberar rodovias bloqueadas pelos
manifestantes. Já não era sem tempo.
Nenhuma reivindicação é justa o bastante para legitimar a
absurda agressão cometida pelos caminhoneiros contra todos os brasileiros, cujo
cotidiano foi severamente afetado pela paralisação. Mais grave ainda é o fato
de que a greve continuou a despeito dos esforços do governo federal e da
Petrobrás para atender, naquilo que lhes competia e era possível, às demandas
dos grevistas, numa espantosa demonstração de irresponsabilidade, que deve
encontrar do poder público uma resposta à altura.
Ao anunciar o plano de segurança para desbloquear as
estradas, com ajuda dos Estados, o presidente Temer disse que o governo não vai
permitir “que a população fique sem os gêneros de primeira necessidade, que os
hospitais fiquem sem insumos para salvar vidas e crianças fiquem sem escolas”.
Segundo Temer, “quem bloqueia estradas de maneira radical será
responsabilizado”. A Advocacia-Geral da União acionou o Supremo Tribunal
Federal para que a greve seja considerada ilegal, inclusive com pagamento de
multa e cassação de licença.
Tudo isso deveria ter sido feito muito antes, quando
ficou claro que o movimento traria imensos transtornos em todo o País. Nesse
sentido, o governo demonstrou lentidão excessiva para reagir à greve,
permitindo que o movimento ganhasse força, a ponto de julgar-se em condições de
chantagear toda a sociedade e de ignorar o acordo para encerrar o protesto. A
propósito, é o caso de questionar onde estava a Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), que não detectou a possibilidade de deflagração de um
movimento dessa magnitude, cuja dimensão representa ameaça evidente à segurança
nacional – com aeroportos fechados, carros da polícia sem combustível,
desabastecimento generalizado e possibilidade concreta de tumultos em todo o
País. É justamente para prevenir tais situações que a Abin existe.
Também é o caso de perguntar o que fazia esse tempo todo
o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, além de dar palpites demagógicos
sobre a política de preços da Petrobrás. Ou então os governadores, que
preferiram lavar as mãos apesar de serem parte considerável do problema, porque
o maior peso tributário sobre o diesel é estadual. Por último, mas não menos
importante, é o caso de destacar o lamentável papel desempenhado pelos
presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira
(MDB-CE), que, em vez de colaborar para o fim da crise, se entregaram, cada um
a sua maneira, à mais rasteira política eleitoreira, na presunção de que
sairiam fortalecidos caso o governo federal se enfraquecesse. O comando do
Congresso está entregue a quem simplesmente não consegue entender o grave
momento que o País atravessa.
Além da evidente fragilidade do governo federal, do
silêncio dos governadores e do oportunismo de parlamentares que não enxergam
além das urnas, a crise contou com a omissão do Ministério Público, que, sempre
tão ativo, desta vez mal se fez ouvir a respeito de greve tão danosa ao País.
Para piorar, os governos estaduais tampouco mandaram cumprir as diversas ordens
judiciais que proibiam o bloqueio de estradas.
No meio de todo esse emaranhado de irresponsabilidades e
omissões ficaram os brasileiros comuns, que estão há dias enfrentando um
verdadeiro pesadelo. Não sabem se a gasolina no tanque do carro será
suficiente, se haverá ônibus para ir ao trabalho, se os supermercados e as
feiras ainda têm alimentos para vender, se as escolas vão funcionar, se os
aeroportos vão abrir, se os hospitais terão condições de atendimento, se
estradas e avenidas estarão livres ou bloqueadas. Um cenário como esse é
característico de um país em guerra.
E, de fato, o Brasil está em guerra. De um lado, estão as
corporações, os políticos venais e os viciados em subsídios e favores estatais;
de outro, os brasileiros que trabalham e pagam impostos. Infelizmente, por ora,
são estes que estão perdendo.
Publicado no portal do Jornal Estado de São Paulo em 26/05/2018