sábado, 24 de março de 2018

➤BOA NOITE!

Como dizem os argentinos, Astor Piazzolla é Buenos Aires, sua gente, suas ruas, suas esquinas, seus bairros. Não se pode pensar Buenos Aires sem suas canções. Ele foi um gênio. Não só os argentinos que pensam assim!

Para este final de semana que começa chuvoso, o tango Verano Porteño, com Astor e seu Quinteto



➤IMPERDÍVEL

Perfume na merda*

Marcelo Rates Quaranta

Eu quero agradecer, em meu nome e em nome de todas as pessoas comuns, cidadãos simples do meu país como eu, pelas últimas decisões tomadas pelo nosso Egrégio Supremo Tribunal Federal.

Sim, o Supremo fez de nós pessoas melhores do que pensávamos ser. 

Quando olhávamos aqueles Ministros sob suas togas, com passos lentos e decididos, altivos, queixos erguidos, vozes impostadas ditando verdades absolutas e supremas, envoltos numa aura de extrema importância e autoridade, nos sentíamos pequenos, minguados e reles plebeus diante de uma Corte que beirava o sublime, o inatingível e o intangível.
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Com essas decisões o Supremo conseguiu fazer com que a minha percepção sobre mim e sobre nós mudasse. Eles não são deuses. São pessoas tão pequenas e tão venais, que qualquer comparação que eu faça de mim e de nós em relação a eles, seria desqualificar-nos a um nível abissal. Tudo aquilo é fantasia, tudo aquilo é pose e tudo aquilo não passa de um teatro, mas nós somos reais.
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Foi aí que eu vi o quanto somos mais importantes que eles! Enquanto as divindades supremas encarnam seus personagens de retidão e lisura, mas com suas decisões abduzem a moral e destroem o país (e de quebra a reputação do Judiciário), nós brasileiros comuns e sem toga trabalhamos arduamente dia e noite para construir o país, ou pelo menos para minimizar os danos que eles provocam. 

Então... Como é que um dia eu pude vê-los como sendo superiores a nós? Eu estava enganado. Nós somos muito superiores a eles, mesmo sendo zés, joãos, marias, desde o pequeno ambulante ao médico ou engenheiro. Nós somos as verdadeiras autoridades, porque nossa autoridade não foi conferida por um político malandro capaz de tudo com uma caneta. Nossa autoridade nos foi dada pela nossa força de continuar tentando fazer um Brasil melhor.
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Fico sinceramente com pena é dos advogados, que são obrigados a chamar esses ministros de Excelência, ainda que com a certeza de que não há excelência alguma nos serviços que eles estão prestando à nação, mas *excrescências* Acho que deve ser o mesmo sentimento de ser obrigado a chamar o cachorro do rei de "milorde".
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Agora eu sei o quanto somos bem maiores que eles, mesmo sem aquelas expressões em latim e doutrinas rebuscadas cheias de pompas e circunstâncias, que com toda máxima "data vênia" no final significam apenas *passar perfume em merda*.

Se há alguém realmente importante no Brasil, esse é o Excelentíssimo Povo Brasileiro, que apesar de tudo é obrigado a sentir o mau cheiro que vem da grande Corte, e mesmo com náuseas e ânsia de vômito, tem que acordar as 5 da manhã pra fazer aquilo que eles não fazem: *Produzir* os impostos para pagar o mais caros salários e os adicionais como ajudas de custos, verbas de gabinetes/indenizatórias e os agregados e polpudos auxílios funcionais. (paletó, educação, moradia, viagens, combustível, veiculo, celular, vinho, petshop, canil, periquita e sogra) 

Obrigado, Supremo, por nos mostrar que hoje o rei sou eu e o meu povo, porque não estou encastelado na ilha de Sta. Helena, podemos andar pelas ruas com liberdade e cabeça erguida sem temor de levar tomates e ovos dos súditos.

*Publicado na Coluna do Nenê (WhatsApp) em 24/03/2018

➤ARTIGO

Só as ruaspodem recolocar Brasil 
no devido trilho constitucional

Bolívar Lamounier*

A farsa ontem encenada pelos atuais integrantes do Supremo Tribunal Federal colocou o Brasil na iminência de uma grave crise constitucional. Tão grave é o quadro que não hesito em afirmar: neste momento, só as ruas têm o potencial de recolocar nosso país no devido leito constitucional.

No futuro, precisaremos de uma reforma constitucional abrangente, quanto a isso não há dúvida. Mas, no momento, temos no colo um coquetel altamente explosivo: 

1) um STF faccioso, descomedido em seu ativismo político, que há tempos vinha perdendo estatura moral;

2) a encenação de ontem liquidou o pouco de seriedade que lhe restava;

3) embora despido das qualidades básicas que se requer de uma Suprema Corte, ele dá claras mostras de não haver compreendo o esvaziamento a que chegou e, em particular, o ridículo de sua pretensão de arbitrar os conflitos políticos que têm vindo à tona constantemente desde que a Lava-Jato desvendou a trama da megacorrupção que se apossou no país;

4) um sério complemento do ponto anterior é o fato de meia dúzia de empresas terem posto no bolso praticamente todos os partidos representados no Legislativo;

5) por cima de tudo isso, um corolário explosivo: as chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição de 1988.

O Brasil é o único país do mundo que não admite a prisão de um condenado antes do “trânsito em julgado”, ou seja, antes de esgotados todos os recursos previstos na Constituição. No mundo inteiro, um condenado pode recorrer a instâncias superiores: isso é óbvio e não poderia ser diferente numa democracia. Mas uma vez condenado na segunda instância (uma Corte de Apelação, instituição que no Brasil se corporifica nos Tribunais Regionais) estes podem determinar a reclusão.

O condenado pode recorrer, mas a partir daí tem que fazê-lo atrás das grades. Lula foi não só condenado pelo TRF-4, mas condenado por unanimidade e com agravamento da pena. Dá-se, porém, que, em nosso caso a reclusão esbarra num obstáculo intransponível: o trânsito em julgado, que é uma cláusula pétrea. Essa é a razão pela qual o STF, na súmula 691, afirmou que o condenado “pode” ser preso, mas não disse expressa e imperativamente que DEVE sê-lo.

É fácil perceber que um Supremo composto por personalidades como as que hoje temos lá, um condenado que disponha de recursos para pagar dezenas de milhões em honorários advocatícios conseguirá postergar indefinidamente o processo, empurrá-lo com a barriga, até a prescrição. Dessa combinação de fatores, uma conclusão se impõe inexoravelmente: o combate à grande corrupção de colarinho branco é uma miragem. Deixará de sê-lo se, por uma feliz conjunção de circunstâncias, um STF cônscio de seu papel, composto de juristas competentes e altivos, mantiver a autonomia implicitamente concedida ao TRF para que a prisão em segunda instância se concretize. Isso obviamente não acontecerá se em determinado momento a composição do STF for desprovida de princípios, beirando a abjeção política e moral.

Mas o que acima foi dito ainda não exaure a questão. As chamadas “cláusulas pétreas” pairam acima de todas as instituições e instâncias políticas. Nem o Congresso pode alterá-las por meio de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional). A única possibilidade de alterá-las é a convocação de uma nova Assembleia Constituinte, hipótese que pressupõe a ruptura de todo o tecido institucional vigente. Não preciso ressaltar que essa aberração contradiz frontalmente o princípio da soberania popular, pilar inarredável da democracia representativa.

Dá-se, entretanto, que o poder político é como a natureza: abomina o vácuo. Diante de circunstâncias graves e inexistindo possibilidade de convocar uma constituinte originária, a estultice de “petrificar” cláusulas importantes para a ordem democrática força os integrantes do STF a “contorná-las”, ou seja, a apelar para o jeitinho e para a malandragem.

O resultado, então, é que o país, teoricamente democrático, em última instância é governado por 11 cavalheiros que não recolheram nas urnas um voto sequer. Na prática, um corpo não eletivo passa é encarnar (ou seria mais correto dizer usurpar) a soberania popular.

Salta aos olhos que essa série de aberrações politico-constitucionais levaria, cedo ou tarde, ao limiar de uma grave crise. Foi o que ocorreu ontem. Os onze cavalheiros do apocalipse contrapuseram-se sem a menor cerimônia à vontade dos 150 milhões de cidadãos aptos a votar em nosso país. A contraposição que dessa forma se estabeleceu é frontal. Ou eles recuam moto próprio e alteram as decisões de ontem e restauram a autonomia da Corte de Apelação (o TRF-4) ou terão de ser forçados a fazê-lo pela força das ruas. Alea jacta est.

*Cientista político, escritor, jornalista articulista de diversos veículos da imprensa. Artigo publicado em 23/03/2018

➤OPINIÃO

Ares antirrepublicanos no Supremo

Quem esperava que a tramitação de processos contra o ex-presidente Lula fosse acompanhada de tensões nas ruas errou. Algum nervosismo, clima pesado tem ocorrido é entre magistrados, e logo no Supremo Tribunal Federal (STF). As ruas continuam tranquilas, por desalento da militância, percebe-se, somado à provável falta de condições financeiras de PT, sindicatos e ditos movimentos sociais para mobilizar a massa.

Pode fazer sentido a tensão, pois o STF é a última instância judicial. Mas não é sempre que ritos e jurisprudências passam a ter “releituras” e sofrem mudanças, para impedir a execução da pena de prisão de alguém por corrupção e lavagem de dinheiro. É o que sucede na Corte em torno de Lula, condenado a 12 anos e um mês de prisão no TRF-4, de Porto Alegre, segunda instância da jurisdição do juiz Sergio Moro, da Lava-Jato, de Curitiba.
O julgamento, no STF, quinta, de um habeas corpus para que Lula não seja preso na rejeição de recurso ao TRF-4, como estabelece jurisprudência do Supremo, trincou o princípio republicano da aplicação igualitária da lei entre todos.

Como alguns ministros não podiam ficar para julgar o mérito do HC — a sessão se dedicou a tratar da admissibilidade do pedido —, surgiu um problema de calendário, para a defesa de Lula: o TRF-4 tratará do recurso de Lula na segunda, 26, mas, devido à Semana Santa, feriado usufruído de forma ampliada pelos juízes, o Supremo só tratará do HC no dia 4 de abril.

Para ser cumprida a jurisprudência — o mínimo que se espera —, o ex-presidente poderia ser preso antes do dia 4. Em mais um jeitinho nada republicano, foi decidida por maioria de votos, 6 a 5, a concessão de liminar prévia a Lula. Assim, rejeitados em Porto Alegre os embargos de declaração impetrados por sua defesa, o que deve acontecer, Lula continuará livre até a apreciação do mérito do HC. Algo raro, se não inédito.

A procuradora-geral Raquel Dodge encaminhou posição contrária à manobra, também rejeitada por Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

O STF emitiu um cheque jurídico em branco para o ex-presidente. Vai-se formando a percepção de que a maioria do Supremo passa a tratar Lula como se ele não fosse um “homem qualquer”. Termo usado pelo ainda presidente da República ao defender que o ex José Sarney não fosse investigado e punido por nepotismo e edição de atos administrativos secretos, quando presidia o Senado.

Vencida a etapa do habeas corpus, as pressões recairão sobre o agendamento de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs), a fim de mudarem a jurisprudência do cumprimento de pena a partir da segunda instância. Para que volte a ser o que era apenas entre 2009 e 2016: permitir que o condenado recorra a todas as instâncias. Significa reinstaurar a impunidade, pela quase certa prescrição dos crimes.

Tudo se encaminha para que Lula, com o habeas corpus no bolso, possa fazer uma incendiária campanha eleitoral, para pressionar o TSE a rasgar a Lei da Ficha Limpa e registrar sua candidatura ilegal.

*Publicado no portal do jornal O Globo em 24/03/2018