Brincando de golpe
Eliane Cantanhêde
Assim como nos aviões, são
duas as decisões mais tensas de uma greve: quando e por que começar, quando e
por que parar. A greve dos caminhoneiros começou na hora certa, jogou luz nas
agruras do setor, criou um caos no País e foi um estrondoso sucesso. Os
caminhoneiros, porém, estão perdendo o timing de acabar a greve e capitalizar
as vitórias.
As pessoas apoiaram a
revolta, mesmo sofrendo diretamente as consequências, porque se identificaram
com as dificuldades dos caminhoneiros e, como eles, estão à beira de um ataque
de nervos diante de tanta corrupção. Mas é improvável que apoiem agora,
simultaneamente, o “Fora Temer”, o “Lula livre” e a “Intervenção militar
já”.
É uma salada indigesta.
Pepino, abacaxi e pimenta não combinam e, cá para nós, focar o protesto na
queda do presidente Michel Temer raia o ridículo, é como “chutar cachorro morto”.
Faltando seis meses para o fim do governo? Com Temer já no chão? É muita
artilharia para pouco alvo.
O governo cedeu exatamente
em tudo que eles pediam: preço do diesel, redução de impostos, previsibilidade
nos reajustes, tabela mínima de fretes e mudança nos pedágios federais,
estaduais e municipais. Uma brincadeira que vai custar de R$ 9,5 bilhões a R$
13,5 bilhões ao Tesouro. Leia-se: a você, leitor, leitora. Agora, a munição do
governo acabou. Não há o que fazer.
Eles exigiam mais do que
30 dias de suspensão de aumentos, o governo admitiu o dobro. Exigiam aprovação
já, o governo assinou medidas provisórias, que entram em vigor imediatamente.
Exigiam publicação do acordo no Diário Oficial da União, o governo fez uma
edição extra. Depois de tudo, eles passaram a exigir o corte de R$ 0,46 nas
bombas, antes de voltar à ativa. Estão enrolando. Com outras intenções?
Uma coisa é a paralisação
de caminhoneiros com reivindicações justas. Outra coisa, muito diferente, é um
movimento político com exigências difusas, até contraditórias, e absolutamente
inexequíveis. A paralisação deixa de ser justa, perde a legitimidade e passa a
ser um ataque oportunista, não a um governo agonizante, mas às instituições e a
toda a sociedade.
Ontem, manifestantes já
circulavam pela Praça dos Três Poderes e confrontavam o Palácio do Planalto,
como ocorreu em junho de 2013. Amanhã, os petroleiros podem começar uma greve
sem pauta, movida a ódio e a política. No que isso vai dar? Há um clima de
insegurança, de temor, de exaustão, no qual o que mais falta é racionalidade.
Não estão medindo as consequências.
Estão todos brincando com
fogo: governo, caminhoneiros, os que amam Lula, os que odeiam Temer, os
saudosos da ditadura militar... Mas todos eles, que comemoram e se divertem
hoje, poderão ter muito o que chorar e espernear amanhã, porque todo esse ódio
e essa “revolução” miram um governo em fim de festa, mas podem acabar fazendo a
festa de quem menos eles esperam em outubro.
Diz a inteligência, e
confirmam os estrategistas, que você só dá passos sabendo onde quer chegar. E
deve saber o momento de parar, para renovar energias, ou até recuar, para não
bater com a cara na parede. O que se vê hoje, nos radicais que ameaçam as
vitórias dos caminhoneiros, e na turba que os aplaude maliciosa ou
ingenuamente, é justamente a falta de objetivos, de propósitos. É se jogar de
cabeça, sem pensar nos riscos, nos perigos.
Derrubar Temer e colocar
Rodrigo Maia na Presidência não pode ser um objetivo sério, um propósito de
boa-fé. É uma manifestação irracional de ódio, um desserviço ao Brasil, uma
aventura com repercussões nefastas. Quem gosta de brincar com fogo parece
torcer por um golpe, mas um golpe de verdade. Que não venham depois chorar
sobre o leite derramado, tarde demais.
Publicado no portal do
Jornal Estado de São Paulo em 29/05/2018