quinta-feira, 2 de novembro de 2017

➤OPINIÃO

Nomes aos bois*

Ao dizer que o comando da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro está à mercê de um “acerto com deputado estadual e o crime organizado” e que os “comandantes de batalhão são sócios do crime organizado no Rio”, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, comportou-se como se ministro da Justiça não fosse.

Os comentários da principal autoridade da área de segurança pública no País são típicos de conversa de botequim, quando se fala o que dá na telha a respeito de qualquer assunto. Em privado, Torquato Jardim é livre para pensar e dizer o que quiser a respeito da cúpula da PM do Rio – e certamente não está sozinho quando desconfia do envolvimento de algumas autoridades policiais com o narcotráfico –, mas na condição de ministro da Justiça ele tem a obrigação de dar os nomes dos comandantes que, segundo disse, seriam “sócios” de bandidos e de informar que providências estão sendo tomadas para interromper essa colaboração criminosa. Do contrário, deve pedir demissão do cargo, pois o que fez terá sido inadmissível manifestação de irresponsabilidade.

A segurança pública já é, há bastante tempo, um dos problemas mais graves do Brasil, particularmente do Rio. Não é de hoje que o crime organizado entranhou-se em setores da administração pública daquele Estado, inclusive na polícia, o que certamente torna ainda mais difícil enfrentar os imensos desafios dessa área crítica para os cidadãos. No entanto, nada ajuda o ministro da Justiça – a quem cabe estabelecer as políticas nacionais de segurança pública e de combate às drogas – que levanta grossas suspeitas, que não consegue sustentar, sobre comandantes da polícia, parlamentares e dirigentes do Estado do Rio.

Torquato Jardim chegou a dizer que “com o atual governo do Rio não será possível” resolver os principais problemas. Relatou ainda que já teve “conversas duríssimas com o secretário de Segurança do Estado (Roberto Sá) e com o governador (Luiz Fernando Pezão)”, mas que nada adiantou, pois a segurança pública no Estado “não tem comando”.

A reação, é claro, não tardou. O secretário Roberto Sá manifestou “surpresa” e “indignação” com a fala do ministro. “Ações como essa, comentários genéricos assim, não contribuem para nada”, disse ele à GloboNews. Leonardo Picciani, ministro do Esporte, afirmou, segundo O Globo, que “o ministro da Justiça comanda a Polícia Federal” e, “se ele tem indícios ou elementos de prova a sustentar o que diz, deve, então, determinar a abertura imediata de um inquérito”. O contrário, disse, “é fanfarronice ou prevaricação”. Em conjunto, o Clube de Oficiais da PM e a ONG Viva Rio lançaram um abaixo-assinado em que pedem a demissão de Torquato Jardim, “tendo em vista o decoro que se espera de um ministro de Estado”.

O ministro, contudo, não se fez de rogado. Embora tenha dito que fez apenas “uma crítica institucional pessoal”, ele subiu o tom e, em entrevista, desafiou as autoridades fluminenses a mostrar que ele não tem razão ao vincular comandantes policiais do Rio ao crime organizado: “Se estou errado, que me provem”. Ou seja, inverteu o ônus da prova.

Mais uma vez, sem entender seu papel institucional, o ministro comentou que suas suspeitas sobre os comandantes policiais se originam “da própria história” da PM do Rio. Citou uma série de circunstâncias que, segundo ele, lançam “dúvida” sobre esses comandantes e disse que o fato de que o Comando-Geral da PM do Rio não foi entregue a nenhum oficial da ativa, e sim a um coronel aposentado, mostra que há motivo para desconfianças.

Torquato Jardim recusou-se a dizer de onde tirou as informações que basearam sua crítica “pessoal”, mas afirmou que “existe um serviço de inteligência sobre tudo o que eu falo” e que não pode dar mais detalhes em razão de “confidencialidade” – senão, disse ele, vira “coluna social”.

Se realmente estivesse preocupado com o sigilo de investigações em andamento, o ministro da Justiça não teria se entregado ao mexerico. Já que o fez, então que assuma a responsabilidade, quer dando os nomes de quem suspeita, quer deixando o Ministério, para ser substituído por alguém que tenha mais cuidado com o que fala.

*Publicado no Portal Estadão em 02/11/2017