Cicatrizes de Temer*
Joesley preso, Janot já era e Temer se salva;
apesar
disso... cicatrizes ficam
Eliane Cantanhêde
Aos solavancos, de delação em delação, de denúncia em
denúncia, o presidente Michel Temer acredita que, daqui para frente, tudo será
diferente, mas pode estar enganado. Ele parece cercado de inimigos e aliados
infiéis e ainda precisa dar muitas explicações após o plenário da Câmara
livrá-lo de um processo imediato. E não só à Justiça, mas também à opinião
pública. Rodrigo Maia, Renan Calheiros e Kátia Abreu têm, cada qual, seus
motivos contra Temer, mas concordam numa coisa: ele saiu vitorioso da primeira
denúncia da PGR e sairá também da segunda, na quarta-feira, dia 25, mas isso
não bastará para apagar as suspeitas contra ele.
Maia tem problemas na Lava Jato e Renan é o campeão de
inquéritos contra parlamentares no Supremo. Logo, não se trata de um surto
ético e sim uma constatação que joga o Planalto para um lado e o Congresso para
outro: apesar de o presidente sobreviver e a economia voltar a respirar, eles e
a maioria dos deputados e senadores não veem em Temer uma boa companhia para
2018.
No Planalto, sonha-se com uma reforma da Previdência, por
mínima que seja. No Congresso, sonha-se com outra coisa: eleição. Como avisa
Maia, os deputados, que já engoliram o desgaste de votar com Temer na primeira
denúncia e terão engolido de novo na segunda, não vão engolir mais uma vez por
uma reforma rejeitada até por seus pais e companheiros.
Além disso, o delator Joesley Batista está preso, sua
credibilidade está abaixo de zero e as flechadas do ex-procurador-geral Rodrigo
Janot vêm sendo questionadas, uma a uma, mas deixaram sérias cicatrizes em
Temer. Ele concluirá o mandato, mas nunca se livrará delas.
Janot é acusado de alterar maliciosamente a sequência do
diálogo entre Temer e Joesley no Jaburu, para esquentar a primeira denúncia e
seu efeito na opinião pública. Apesar disso... o áudio não evaporou e Temer não
pode alegar que não disse o que disse e não ouviu o que ouviu.
Janot também fica em situação difícil porque seu braço
direito Marcello Miller armava contra o presidente como procurador da República
e advogado regiamente pago para defender interesses da JBS. E piorou quando
Joesley foi gravado dizendo que Miller abriu a porta para o próprio Janot
entrar no mesmo escritório de advocacia. Apesar disso... as provas de Joesley
contra Temer mantêm efeito jurídico.
Janot, igualmente, apresentou indícios e uma narrativa
lógica para concluir que a mala de dinheiro do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures
era para Temer, mas ele nunca comprovou que era, nem que o dinheiro chegou a
esse destino. Apesar disso... de nada adianta a provocação de Temer: se a mala
de Loures era dele, a gorda remuneração do advogado Miller, em tese, não
poderia ser de Janot? É uma equação ruim para Janot, mas nem por isso boa para
Temer.
Janot, por fim, fez uma colcha de retalhos com delações
para denunciar Temer por organização criminosa com atuais ministros e com
Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Henrique Alves, agora presos, mas a segunda
denúncia é considerada mais frágil, sem provas, áudios e vídeos de impacto.
Apesar disso... é inquestionável que Temer andava em más companhias. Sem falar
nos assessores do terceiro andar do Planalto.
Enfim, depois de tantos “apesar disso...”, a conclusão é
de que Temer “convence” a CCJ e o plenário da Câmara, mas não a opinião
pública. Era impopular antes, continuou durante e depois da bomba JBS e nada
indica que possa melhorar. Rodrigo Maia sugeriu a ele um publicitário “jovem e
moderno”, mas não há jovialidade nem modernidade para dar um jeito nisso. As
flechadas de Janot estavam envenenadas.
*Publicado no Portal Estadão em 22/10/2017