Até aqui de mágoas*
No day after da 2.ª denúncia, empregos, Previdência e
guerra contra ‘conspiradores’
Eliane Cantanhêde
Michel Temer e Rodrigo Maia se esforçam para dizer que o
pior da crise entre eles passou, mas uma dúvida ainda paira sobre as
instituições: a real história da divulgação da delação de Lúcio Funaro no site
da Câmara. O relator da Lava Jato no Supremo, Edson Fachin, está no centro
dessa e de outras dúvidas.
Em ofício de 26 de setembro ao advogado Eduardo Carnelós,
Fachin determinou que ele poderia ter acesso às partes que dizem respeito ao
seu cliente Temer, não ao restante da delação. Mas, depois, em conversa no STF
com Rodrigo Maia, a presidente Cármen Lúcia e um assessor jurídico da Câmara,
Fachin não tão claro, induzindo Maia e seu assessor à divulgação da delação de
Funaro, então protegida pelo sigilo.
Trecho do ofício de Fachin ao advogado: “... em termos de
declaração separados, dando origem a diferentes procedimentos investigatórios,
em diferentes estágios de diligências, não assiste a um determinado denunciado
o acesso universal a todos os depoimentos prestados. O que a lei lhe assegura é
o acesso aos elementos da colaboração premiada que lhe digam respeito”.
Já na versão da conversa posterior do ministro, Maia lhe
disse que a delação de Funaro chegara ao Congresso sem a comunicação oficial do
sigilo e lhe perguntou se haveria restrições à publicação no site. Fachin não
titubeou: “Não há nada grave”. A frase foi interpretada como sinal para a
divulgação. Mas, com a divulgação, péssima para Temer, às vésperas da votação
da CCJ, Fachin soltou nota voltando à versão ao advogado e declarando que os
vídeos de Funaro “não deveriam ter sido divulgados”. Pois é. Mas foram.
A favor de Fachin, alega-se que a delação dizia respeito
não só a Temer, mas também aos ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha, e os
três estariam em julgamento na CCJ e em seguida no plenário da Câmara. Logo, os
juízes, no caso os deputados, tinham direito às informações ali contidas. Mas
essa versão edulcorada não convence nem o governo nem parte do STF.
É por essas e outras que, antes mesmo da votação da
segunda denúncia, prevista para a próxima quarta-feira, Temer já se prepara não
só para intensificar sua defesa diante da opinião pública, mas também para
martelar a tese de “conspiração” contra ele.
O termo (alternativo a “golpe”, que tem dono...) já foi
usado por Temer na carta que enviou aos deputados antes da votação na CCJ e dá
o tom e o roteiro do presidente após sobreviver à segunda denúncia. Equipes do
Planalto, inclusive, fazem o que nos acusam (a nós, da mídia) de não fazer: a
leitura e divulgação dos pontos favoráveis a Temer, seja em delações, seja em
medidas de governo, seja até na explosiva portaria do trabalho escravo.
O título de um desses trabalhos internos é Contradições
e inconsistências na delação de Lúcio Funaro. Ele destaca em verde o nome de
Temer e em azul os trechos em que Funaro declara que não conhece Temer, nunca foi
ao escritório dele e não sabe quem teria entregue dinheiro a ele.
Exemplo: o delator disse que não tem ideia se o dinheiro
de Geddel Vieira Lima ia para Temer e achava “pouco provável que o
presidente(...), pela própria característica, pelo jeito dele de ser, pegaria
um dinheiro da mão do Altair (carregador das fortunas do esquema)”.
Em sua defesa política, Temer pretende dizer,
subliminarmente, que, além de Rodrigo Janot, Marcelo Miller, Joesley Batista,
delatores, aliados e adversários, a “conspiração” contra ele tem agentes
importantes também no Judiciário. Quando se pergunta no Planalto sobre o “day
after” da segunda denúncia, a resposta é midiática: “Emprego e reforma da
Previdência”. Mas, nos bastidores, sabe-se que Temer é um pote até aqui de mágoas.
E não vai deixar por isso mesmo.
*Publicado no Portal Estadão em 20/10/2017