Parem de brigar e julguem!*
Como STF não faz sua parte na Lava Jato,
tenta inventar penas a não condenados
Eliane Cantanhêde
Todo esse dramalhão envolvendo Supremo, Senado, Câmara,
PSDB, PT, PMDB e redes sociais em torno do senador Aécio Neves tem uma origem
clara: a demora do STF em julgar o tucano, alvo de nove investigações e uma
denúncia, agravados pelas gravações entre ele e Joesley Batista e pela bolada
que, ato contínuo, foi parar com o primo dele.
Se o Supremo tivesse pego esse touro a unha há tempos,
não precisaríamos assistir a esse show de empurra-empurra. Aécio teria sido
inocentado ou condenado e as instituições não estariam expondo suas vísceras ao
vivo para escapar do problema, com o STF tentando até aplicar penas a quem
nunca foi condenado!
A PF, a PGR e a Justiça não dão conta de tantos
inquéritos (como no caso também de Renan Calheiros) e o fantasma fica pairando
sobre Brasília. Como não se pune pela Constituição, a Primeira Turma do STF
buscou aplicar o Código do Processo Penal, com o afastamento das funções e o
tal recolhimento noturno – ambas soluções, digamos, heterodoxas. O plenário
interveio, lembrando que não se afasta parlamentar sem aval dos plenários do
Congresso e o problema voltou para o Senado. Se no Supremo não há solução,
imagine-se no Senado, um dos templos do corporativismo na República.
A expectativa para a próxima terça-feira é que os
senadores não deem aval para as medidas contra Aécio, mas o resultado vai ficar
mais apertado a cada dia que passa. No plenário do STF, foram cinco a cinco,
que viraram seis a cinco com o voto confuso da presidente Cármen Lúcia. No do
Senado, caminha para um racha equivalente a partir da ameaça do PT de rever sua
posição.
Na primeira sessão, os petistas foram contra a Primeira
Turma e, portanto, a favor de Aécio. Mas estão mudando de ideia, daí porque os
aliados do presidente afastado do PSDB tentaram um outro jeitinho brasileiro: o
voto secreto, não previsto no artigo 53 da Constituição e derrubado, por
exemplo, na sessão que autorizou a prisão do então senador Delcídio do Amaral.
Aécio, portanto, escapou do Supremo e tende a escapar do
plenário do Senado, com seus pares fazendo a mise-em-scène de enviar o caso
para o Conselho de Ética. E daí? Criado em 1993, o conselho só cassou um
senador até hoje, Luiz Estêvão, que, aliás, foi parar na Papuda após o STF
aprovar a prisão de condenados em segunda instância. Seu presidente pela sexta
vez, senador João Alberto (PMDB-MA), é sempre posto ali pelo padrinho José
Sarney justamente para garantir a impunidade de todos os seus pares.
Por falar nisso, Aécio Neves está por trás da escolha dos
relatores na CCJ da Câmara para a primeira e a segunda denúncia da PGR contra o
presidente Michel Temer, Paulo Abi-Ackel e Bonifácio de Andrada, ambos, não por
coincidência, do PSDB de Minas. A equação é simples: Aécio articulou a salvação
de Temer, Temer articula a salvação de Aécio, enquanto o lobo não vem e o STF
não julga de fato.
O fato é que, enquanto o Supremo não começar a fazer sua
parte na Lava Jato, condenando quem tem de condenar e inocentando quem merece,
as assombrações vão continuar soltas por aí. Ninguém vai ter sossego, nem réus,
nem julgadores, e o script vai se repetir, com o STF tentando aplicar penas a
não-condenados, a Câmara e o Senado salvando os seus e a opinião pública
querendo explodir as instituições. Meretíssimos, parem de brigar e julguem!
PS 1: Cármen Lúcia deixou de ler seu voto de mais de 30
páginas porque três ministros tinham voos para Miami. Ai, se arrependimento
matasse!
PS 2: Depois da crise com o Legislativo, vem aí a crise
do Judiciário com o Executivo. Planalto e Ministério da Justiça querem
extraditar o italiano Cesare Batisti, mas STF está... dividido.
*Publicado no Portal Estadão em 15/10/2017