Aécio, uma batata quente*
Aécio não está livre, Senado não resolveu problema,
e
Supremo tem muito o que julgar
Eliane Cantanhêde
O senador Aécio Neves, presidente licenciado do PSDB,
virou uma batata quente para o Judiciário e o Legislativo. Por ora, deixou de
ser um problema imediato do Supremo para ser o principal problema do próprio
Senado, que, ao dizer “não” ao seu afastamento e à Primeira Turma do STF, na
próxima terça-feira, estará obrigado a ter sua própria solução para Aécio. No
Conselho de Ética? O histórico das decisões ali é claramente corporativo.
A manobra para transformar a votação no plenário do
Senado nem parece uma tentativa desesperada de mudar o resultado, mas apenas
para “proteger” os senadores dos seus próprios votos. Vão deixar as evidências
contra Aécio por isso mesmo? Eles se acertam entre eles e não querem que seus
eleitores fiquem sabendo como votam?
Apesar disso, a roda continua girando: Aécio sobrevive
agora, mas tem um encontro inexorável com a Justiça; o Senado está livre da
acusação de confrontar o Supremo, mas é justamente a casa dos três campeões de
inquéritos com foro privilegiado; e o Supremo rachou ao meio para resolver o
impasse com o Senado, mas, mais cedo ou mais tarde, vai ter de julgar não só
Renan Calheiros, Romero Jucá e Aécio Neves, mas os demais parlamentares
investigados.
O que esteve, e está, em discussão no Supremo é se os
fins justificam os meios. Há ministros que, como a sociedade em geral, cansaram
da confusão entre imunidade parlamentar e impunidade – como disse o relator da
Lava Jato, Edson Fachin – e da velha tradição brasileira de “prender os miúdos
e proteger os graúdos” – como acrescentou, em bom e claro português, o ministro
Luís Roberto Barroso. De certa forma, tentam um atalho rápido para punir quem
eles julgam que deva ser punido. No caso de Aécio, o atalho é o artigo 319 do
Código de Processo Penal.
Do outro lado, há ministros “garantistas”, como o novato
Alexandre de Moraes, defendendo que as leis se submetem à Constituição, não o
contrário. Ela, a Carta Magna, só prevê prisão de parlamentares em caso de
flagrante delito inafiançável, como o Supremo julgou e o Senado acatou quando o
senador Delcídio Amaral foi gravado acertando dinheiro e alternativas de fuga
para potenciais delatores. Para esses ministros, a ordem jurídica está acima de
tudo. Não há atalhos, há o caminho constitucional.
É uma discussão importante, num País que efetivamente
vive um eterno “pacto oligárquico” (outra expressão de Barroso) que se ramifica
por todas as regiões, Estados, cidades e setores e está na mente de cada um.
Aos poderosos, tudo; aos pobres e desvalidos, a lei – e as prisões fétidas, as
humilhações, as condições vis, a renda precária, a pior educação, a pior saúde.
A Lava Jato, porém, já tem quebrado esse pacto, ao
desvendar a corrupção e investigar presidentes da República, líderes dos
principais partidos, banqueiros, donos das maiores empreiteiras e produtoras de
carne, altos executivos de estatais e empresas privadas. É um avanço, uma
herança e tanto para as futuras gerações, desde que não se use o bom pretexto
de acabar com a impunidade dos poderosos para “dar um jeitinho” na Constituição
e nas leis, “quando necessário”.
Mal comparando, quando se acha que “um pouquinho de
inflação não faz mal a ninguém”, a inflação dispara, implode os indicadores
macroeconômicos e quem acaba pagando o maior preço é o mais fraco. Achar que
atalhos jurídicos fazem bem à sociedade e mal aos corruptos pode ter um efeito
oposto: favorecer os corruptos e prejudicar a sociedade, com efeito danoso
sobre todo o fantástico trabalho da Lava Jato. Aécio não é santo, mas precisa
ser investigado e julgado à luz da Constituição. Os fins, por mais nobres que
sejam, não justificam os meios.
*Publicado no Portal Estadão em 13/10/2017