A esperteza dos delatores*
O novo caso envolvendo Joesley Batista foi revelado
pelo
procurador Ivan Marx
Que o empresário Joesley Batista fez um negócio da China
ao delatar o presidente Michel Temer em troca de total imunidade para os muitos
crimes de corrupção envolvendo políticos, empresários e funcionários que
confessou ter cometido, todos já sabiam. Agora, porém, surgem suspeitas de que
Joesley e os executivos de sua empresa, a JBS, fizeram a bombástica delação
também com o objetivo de ficarem livres de punição por supostas fraudes
cometidas nos investimentos bilionários que o conglomerado recebeu do BNDES.
Essa mutreta, se comprovada, reforça a sensação de que o instrumento da delação
premiada, aplicado apressadamente por setores do Ministério Público, não tem
servido apenas para esclarecer crimes e desmontar quadrilhas, mas também para
livrar criminosos da prisão, enquanto dá a falsa impressão de que a corrupção
está sendo combatida.
O novo caso envolvendo Joesley Batista foi revelado pelo
procurador Ivan Marx, do Ministério Público Federal em Brasília. Responsável
pela Operação Bullish, que investiga fraudes na concessão de aportes do BNDES,
Marx disse que foram detectados problemas em contratos com a JBS que resultaram
em perdas de mais de R$ 1 bilhão.
A JBS, como se sabe, foi uma das empresas mais
beneficiadas pela política de incentivos aos “campeões nacionais” levada a cabo
nos governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff. Entre 2005 e 2014, recebeu
nada menos que R$ 10,63 bilhões do BNDES, transformando-se, da noite para o
dia, na maior empresa do mundo no segmento de carne processada.
Em sua delação, os executivos da JBS informaram que em
2005 a empresa pagou propina para o então presidente do BNDES, Guido Mantega,
para que este atuasse em favor da companhia. Afirmam, porém, que não houve
fraude na análise técnica para concessão dos recursos, ou seja, embora Joesley
tenha dito que os aportes do BNDES não sairiam sem a propina paga a Mantega, os
delatores afirmaram desconhecer qualquer irregularidade.
O procurador Ivan Marx, no entanto, diz que as
investigações apontam crime de gestão temerária nos processos favoráveis à JBS.
“O BNDES não fez isso sozinho. Foi sempre por demanda deles (JBS)”, declarou
Marx, acrescentando o que, a esta altura, começa a ficar óbvio: “Os executivos
(da JBS) vão lá, fazem uma delação, conseguem imunidade e agora não querem responder
à investigação”. O procurador informou que vai apresentar denúncia contra os
executivos da JBS independentemente do acordo que a Procuradoria-Geral da
República fez com Joesley Batista e seus acólitos.
Essa situação evidencia que as delações premiadas se
transformaram em um bom negócio. Em vez de se prestarem a orientar
investigações, as colaborações têm servido para livrar criminosos e até ocultar
crimes, como no caso da JBS, desde que se entregue o que certos procuradores
desejam – nomes graúdos da política. Parece estar em curso uma espécie de
certame entre delatores em potencial, cuja colaboração só será considerada
válida se dela constarem os nomes do presidente da República ou, na pior das
hipóteses, de algum de seus ministros mais importantes.
É evidente que esse procedimento deslegitima o
instrumento das delações premiadas, monopolizadas pelo Ministério Público como
se fossem parte da acusação, e não da investigação. Essa distorção explica o
entrevero ora em curso entre o Ministério Público e a Polícia Federal no que
diz respeito às delações.
A Procuradoria-Geral da República entrou com ação no
Supremo Tribunal Federal para questionar os artigos 2.º e 6.º da Lei
12.850/2013, que atribuem a delegados de polícia o poder de realizar acordos de
delação. Para o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da
Lava Jato, a prerrogativa de fazer acordos de delação é do Ministério Público,
pois “só o Ministério Público pode acusar”. Já o diretor da Polícia Federal,
Leandro Daiello, lembrando o óbvio, disse que a colaboração premiada é apenas
“um instrumento de investigação”. Ou seja, não se pode tratar a delação como
base da acusação, pois isso não apenas distorce a natureza desse instrumento,
como confere ao delator uma importância desmesurada, e que acaba justificando
prêmios igualmente desmedidos.
*Publicado no Portal Estadão em 16/08/2017