O comandante*
Cara a cara com Moro, Lula tem de explicar a
avalanche de
revelações que se completam
Eliane Cantanhêde
O personagem central desta semana (aliás, de toda a
crise) é o ex-presidente Lula, que vai ficar cara a cara com o juiz Sérgio Moro
na quarta-feira, em Curitiba, enquanto ecoam as revelações demolidoras de
Emílio e Marcelo Odebrecht, de Léo Pinheiro e de Renato Duque, o homem do PT na
Petrobrás. As histórias que eles contaram em juízo têm sujeito, verbo,
predicado, lógica e conexão com o famoso PowerPoint do procurador Deltan
Dallagnol. Lula tem como negá-las com a mesma força?
Depois de tudo que os Odebrecht relataram sobre a conta
pessoal que Antonio Palocci gerenciava para Lula na empreiteira (que não era
banco...), de todos os detalhes de Léo Pinheiro sobre a participação direta do
ex-presidente nos esquemas e das declarações de Duque de que ele era o chefe, o
grande chefe, o “nine” que sabia de tudo e comandava tudo, a situação de Lula é
delicadíssima.
Seus seguidores se recusam não apenas a acreditar, mas
até a ouvir. Logo, seus 30% nas pesquisas, decisivos num primeiro turno, podem
não cair um único ponto. Mas o resto da sociedade não é cega, surda e muda às
revelações. Logo, seus 45% de rejeição, fatais num segundo turno, podem aumentar.
E a questão principal é jurídica, porque a força-tarefa tem dúvida zero sobre o
papel de Lula no maior esquema de corrupção do planeta.
A nossa Petrobrás foi fatiada: Nestor Cerveró roubava
para o PMDB, Paulo Roberto Costa, para o PP, e Duque, para o PT. Incluindo o
detalhe de Paulo Bernardo se referir a Lula com o gesto de cofiar a barba,
Duque conta que a propina original de um negócio bilionário seria de 1%,
dividido meio a meio entre o PT e “a casa” (diretores e gerentes corruptos),
mas o tesoureiro do partido, João Vaccari Neto, foi bater o martelo com Palocci
e ele não topou. Ficou assim: 2/3 para o PT, 1/3 para “a casa”. E, quando a
Lava Jato estourou, Lula deu uma ordem a Duque: se tivesse provas, era para não
ter.
Lula se compara a “uma jararaca”, mas é um encantador de
serpentes, com inteligência privilegiada, sacadas rápidas, respostas cortantes,
um carisma que dez entre dez políticos invejam. Esse instrumental será de
enorme valia na quarta-feira, quando, do outro lado, estará Sérgio Moro, um
juiz bem mais jovem, sem traquejo de palanques e embates políticos. Algo,
porém, pode reequilibrar o jogo: “contra fatos não há argumentos”.
Moro se baseará só em delações ou terá mensagens,
agendas, contas? E se limitará ao triplex de Guarujá, ou fará cruzamentos dos
depoimentos que colocam Lula como presidente simultaneamente do País e dos
esquemas? Por mais que Lula siga os advogados e a própria intuição para não
responder a nada que fuja ao triplex, não estará ali só como réu, mas como o
político mais popular da história recente e líder das pesquisas para 2018.
Logo, não irá ouvir calado perguntas que dizem tudo. Nem fugirá do seu hábitat
natural: o palanque.
José Dirceu está solto enquanto a condenação em segunda
instância não vem e Palocci deve ser mantido preso pelo plenário, nesta semana.
Um era um executor do PT e do governo, já foi carimbado como o “chefe da
quadrilha” no mensalão e condenado a três décadas no petrolão. O outro caiu da
Fazenda com Lula, caiu da Casa Civil com Dilma e surge na Lava jato como um
gerentão não de um partido, mas das contas de um presidente da República.
Sem querer reduzir a importância de Dirceu e Palocci, os
dois tinham muito poder, mas não atuavam sozinhos nem da própria cabeça. A
força-tarefa suspeita, e os principais atores desse drama confirmam, que eles
tinham um comandante, um cérebro, e vai ficando cada vez mais cristalino quem
era. Vamos ver o que Lula tem a dizer, além da tradicional vitimização
política.
*Publicado no Portal Estadão em 07/05/2017