Fala, Palocci!*
A defesa, o sítio e o triplex de Lula desabam
e o foco se
desloca para Palocci
Eliane Cantanhêde
Léo Pinheiro é a pá de cal na defesa do ex-presidente
Lula, mas a bola da vez é o seu ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que
conseguiu a proeza de despencar não de um, mas de dois governos diferentes, e
continuou aprontando das suas com uma desenvoltura tão surpreendente quanto seu
inalterável ar de bom moço, até cair nas garras da Lava Jato e ser considerado
hoje o futuro delator com potencial mais explosivo.
Em suas delações ao juiz Sérgio Moro e aos procuradores,
Marcelo Odebrecht contou que era ele, Palocci, quem administrava a conta
“Amigo” na empreiteira, um cheque em branco que abastecia as vontades e luxos
da família Lula da Silva. E, no relato dos marqueteiros João Santana e Mônica
Moura, os acertos de valores, prazos e formas de pagamento para, primeiro,
salvar a imagem do presidente Lula e, depois, os votos do candidato Lula, após
o mensalão, foram feitos diretamente no gabinete da Fazenda.
Palocci, aliás, foi preso em setembro do ano passado sob
a suspeita de ter favorecido a Odebrecht numa medida provisória sobre
benefícios fiscais, numa licitação da Petrobrás para compra de navios-sonda,
num financiamento do BNDES para obras da empreiteira em Angola e na doação de
um terreno para o Instituto Lula.
Em sendo assim, Palocci tinha múltiplas personalidades:
era ministro da Fazenda e ditava a política econômica, mas ao mesmo tempo
lobista da Odebrecht, operador financeiro do PT e gerente da conta de Lula
naquele banco da empreiteira chamado de Setor de Operações Estruturadas. Era
três em um, ou melhor, quatro, cinco ou seis em um.
Palocci começou cedo. Basta olhar para as fotos dele
cercado por seus assessores na prefeitura de Ribeirão Preto para perceber que
havia algo errado. Bonachão, com seu ar e seus óculos de aluno estudioso, era
cercado por figuras que acabaram encalacradas na justiça.
Mas Palocci pousou em Brasília com os ventos
alvissareiros da primeira eleição de Lula. O médico que assumia a Fazenda. O
ex-prefeito com aura de competência. O hábil que driblou vários concorrentes e
ficou lado a lado do presidente. O pragmático que jogou no lixo as teses
econômicas do PT e virou o queridinho do mercado – e da mídia.
A primeira surpresa de quem não conhecia as histórias de
Palocci em Ribeirão foi saber de uma casa alugada no bairro mais nobre de
Brasília, onde eram dadas festas de arromba e havia um estranho trânsito de
malas de dinheiro. E ele não teve o menor prurido em usar seus poderes para
quebrar o sigilo do caseiro que contara detalhes sobre a casa subitamente
famosa.
Palocci desabou da Fazenda de Lula, mas ressurgiu
igualmente poderoso na campanha de Dilma Rousseff em 2010 e dali para a Casa
Civil. E desabou de novo, por não explicar a compra de um apartamento de R$
7 milhões, que era dele, mas não era dele, cheio de mistérios. Não se sabe se
ele aprendeu com Lula, ou se Lula aprendeu com ele...
É assim, com essa trajetória tão atribulada, sua
relevância no centro do poder e agora seu desconforto em sete meses de prisão,
que Palocci se torna a bola da vez. Ainda há muito o que contar sobre Lula e os
governos petistas, mas o grande terreno a ser desbravado não é do lado
corrupto, mas do lado corruptor. O que se sabe do sistema financeiro na Lava
Jato?
Em seu depoimento desta quinta-feira, 20, a Sérgio Moro,
o ex-ministro foi de uma gentileza que raiou a sabujice ao se oferecer como
delator: “Se o sr. estiver com a agenda muito ocupada, a pessoa que o sr.
determinar, eu imediatamente apresento todos esses fatos, com nomes e
endereços, para um ano de trabalho”. Os investigadores esfregam as mãos, os
investigados entram em pânico.
*Publicado no Portal Estadão em 21/04/2017