Pobre Rio, pobre Brasil*
Eliane Cantanhêde
O Rio de Janeiro continua lindo, como na música de
Gilberto Gil, mas as prisões dos ex-governadores Anthony Garotinho, num dia, e
Sérgio Cabral, menos de 24 horas depois, escancaram um cenário horrendo em que
se misturam corrupção, populismo, empreguismo, gastança e irresponsabilidade.
Sem contar aquele terceiro personagem que nasceu no Rio e virou tudo o que
virou no Estado: Eduardo Cunha.
Todas essas mazelas não são exclusividade do Rio, mas se
somam aos erros da era Lula e ao desastre dos anos Dilma Rousseff e explicam
cristalinamente o resultado das eleições municipais. Com o PMDB ladeira abaixo
e o PSDB e o PT praticamente fora de combate no Estado, só podia dar no que
deu: uma forte rejeição aos partidos “tradicionais”, com uma disputa entre o
PRB de Marcelo Crivella e o PSOL de Marcelo Freixo.
As prisões ocorrem justamente quando o governador Luiz
Fernando Pezão volta de longa licença para tratar do câncer e brinda a
população com um pacote de maldades contra a crise. Como Pezão é do mesmo PMDB
e foi vice-governador de Cabral, significa que eles abriram o buraco e agora
Pezão convoca trabalhadores, funcionários, aposentados, pensionistas e empresas
para tapá-lo. Soa assim: “Nós criamos a dívida e nadamos em dinheiro. E você
paga a conta”. Daí porque o Estado está em chamas, mas as pessoas estouravam
espumantes ontem, quando Cabral saiu do Leblon para Bangu sem guardanapo na
cabeça.
Faça-se justiça, porém. Enquanto Cunha abastecia
“trustes” e o armário da mulher com desvios da Petrobrás e Cabral recebia mesadas
de R$ 500 mil, desfrutava de lancha de R$ 5 milhões e ornava o
dedo da mulher com um anel de R$ 800 mil do empreiteiro Fernando
Cavendish, Pezão não é – até o momento – acusado de corrupção. Aliás, ele tem
foro privilegiado e o que há contra ele, se houver, corre em segredo de
justiça.
Também são bem diferentes os casos de Cabral, acusado de
comandar um esquema de R$ 224 milhões, e de Garotinho, enrolado por ter
usado um programa social da prefeitura de Campos para comprar votos. Ambos
estão devidamente presos e acusados, mas há uma questão de escala entre um e
outro.
Em comum, os dois foram muito importantes no Rio e
chegaram a alçar voo nacional. Garotinho saiu do Palácio Laranjeiras para uma
campanha à Presidência da República em que perdeu para Lula, mas chegou em
honroso terceiro lugar e elegeu a mulher, Rosinha, para o governo do Estado e
agora a filha, Clarissa, para a Câmara dos Deputados.
Cabral, típico menino do Rio, filho de respeitado
jornalista, biógrafo de Pixinguinha, foi um excelente produto eleitoral,
lembrado até para a Presidência da República. Ele e o prefeito Eduardo Paes
tiveram destaque no PSDB, passaram para o PMDB, aproximaram-se alegremente de
Lula e apoiaram firmemente Dilma. O voo de Cabral foi alto. O tombo foi mortal.
Isso não passa em branco pela política, onde o PMDB abriu
uma cunha na disputa feroz entre PSDB e PT e subiu a rampa do Planalto com
Michel Temer. Com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgando a chapa
Dilma-Temer, com a delação da Odebrecht pairando sobre tudo e todos (até mesmo
o PMDB, a base aliada e o governo), a prisão de Cabral pode ser tudo, menos
algo positivo para Temer. No mínimo, é mais um foco de tensão – ou de
suspeição.
E há uma irradiação da crise do Rio sobre os demais
Estados, sobretudo porque a crise econômica não perdoa ninguém e porque os
estádios da Copa entram no foco. O Rio, além de lindo, é também a vanguarda do
Brasil. Desta vez, pode estar sendo um outro tipo de vanguarda, com a prisão
não apenas de um, mas de dois governadores de uma vez só, neutralizando a tese
de perseguição ao PT. Tem muita gente de barbas de molho de Norte a Sul. Quais
serão os próximos Estados? E os próximos presos?
Publicado no Portal Estadão em 18/11/2016