Retrato do populismo petista*
A constatação da existência de irregularidades no
pagamento do Bolsa Família a cerca de 1,1 milhão de famílias – o equivalente a
8% dos quase 14 milhões de famílias inscritas no programa – levou o governo a
cancelar 469 mil benefícios e bloquear – até que as objeções levantadas sejam
esclarecidas, num prazo de três meses – o saque de outras 654 mil contas em
todo o País. Explicou o ministro Osmar Terra, do Desenvolvimento Social e
Agrário, que não se trata de “corte ou economia de recursos, mas do necessário
controle de gastos”. E acrescentou: “O objetivo é separar o joio do trigo. Quem
realmente precisa vai continuar recebendo o benefício”.
Um pente-fino no Bolsa Família era indispensável diante
das evidências de que os governos petistas, por criminosa negligência ou
simples incompetência, haviam perdido o controle do programa. Há cerca de dois
meses, no início de setembro, o governo Temer anunciara a decisão de fazer uma
ampla varredura no cadastro do Bolsa Família, com a intenção de garantir que,
depurado dos pagamentos que vinham sendo indevidamente feitos, o programa
passasse a beneficiar um número maior de famílias realmente necessitadas de
ajuda.
As irregularidades que agora começam a ser corrigidas
foram apuradas mediante o cruzamento de informações de 6 bases distintas de
dados: o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Cadastro Nacional de
Pessoas Jurídicas, o Instituto Nacional do Seguro Social, o Sistema Integrado
de Administração de Recursos Humanos, o Sistema de Controle de Óbitos e a
Relação Anual de Informações Sociais.
A existência de mais de 1 milhão de benefícios suspeitos
de estarem sendo concedidos indevidamente não é surpresa ao cabo de mais de uma
década em que o Bolsa Família foi manipulado pelo lulopetismo como poderoso
instrumento para a consolidação de seu projeto de poder. A história é
conhecida, revelada anos atrás pelo ex-petista Hélio Bicudo, e remonta ao
início do primeiro mandato de Lula, no momento em que o comando político do
governo promovia a transformação do projeto original, Fome Zero, em Bolsa
Família.
O Fome Zero era, mais do que um programa de transferência
de renda, um amplo, complexo e dispendioso projeto de inclusão social que
demandaria tempo para ser implantado e para produzir efeitos políticos. Em
reunião no Palácio do Planalto, os responsáveis pelo Fome Zero, entre eles
Hélio Bicudo, questionaram o então ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil de
Lula, a respeito da troca de um programa socialmente reestruturante que
ambicionava promover uma transformação social, por outro que atingiria desde
logo uma quantidade muito maior de beneficiários, mas praticamente se limitaria
àquilo que o Fome Zero também previa: a transferência direta e mensal de uma
“renda mínima”. A explicação do chefe da quadrilha do mensalão foi curta e
grossa: “O Bolsa Família representa 40 milhões de votos”.
O Bolsa Família, de qualquer modo, cumpre o papel de
prover minimamente necessidades materiais básicas, como a de ter o que comer,
de uma população carente de outras fontes suficientes de recursos. Nem se trata
de questionar, como ocorreu no passado dentro do próprio governo petista, a
capacidade desse programa de abrir de fato a possibilidade de futura inclusão
dos desvalidos na vida econômica do País. Mas é claro que, tendo sido o Bolsa
Família concebido primordialmente para garantir ao lulopetismo um curral
eleitoral de “40 milhões de votos”, durante os governos Lula e Dilma ninguém se
preocupou para valer com o controle rigoroso dos cadastros. Daí aberrações como
as reveladas agora, de que pelo menos 3 mil famílias beneficiárias do programa
fizeram doações a campanhas eleitorais no pleito municipal.
A oposição sem voto já acusa o governo de promover
“cortes” no Bolsa Família como prova de sua intenção de reduzir os
investimentos sociais e, conforme o que está proposto na PEC do Teto de Gastos,
“congelar” gastos na educação e na saúde. É um discurso fácil e mentiroso que
tem, de qualquer modo, apelo emocional. Mas as eleições municipais demonstraram
que os brasileiros estão desiludidos com esse populismo de esquerda campeão na
promessa de “distribuição” da riqueza, mas absolutamente incompetente na tarefa
de criá-la.
*Publicado no Portal Estadão em 15/11/2016